domingo, 17 de dezembro de 2017

CONTO DE NATAL

Era um dia de vidro. O frio, intenso, tornava os movimentos das aves difíceis, o ladrar dos cães rouco e a conversa das gentes murmúreos. Caminhava na cidade, compras obrigatórias, a carteira  a pedir clemência. Tinha de ser. Não ía deixar passar a Noite  apenas com sono. Não! Era a Noite e, mesmo que sozinha, para ela era especial. Por isso, esticou os cêntimos, comprou um pedaço de perú, tomates bem pequeninos e um ramo de coentros. Haveria, ainda,de juntar alecrim, mas esse, sorte!, resistia no quintal. Reparava nos passos apressados, nos narizes e nas bochechas vermelhas, e sorria também. Se lhe perguntassem porque sorria, diria ser a ceifeira, felizmente inconsciente.
Mas ela tinha consciência. Lembrava outros Natais, a casa cheia, o marido presente os filhos pequenos. Tudo tinha sido e, por isso, seria sempre na memória que trancava no coração. Do marido sentia falta do abraço, das pernas que à noite se enroscavam nas suas. Partira, também. Ouro amor, outra mulher, um adeus. Dos filhos lembrava os cheiros - tantos - e agradecia estarem felizes, longe, sem virem no Natal porque, afinal, a vida nem sempre deixa espaço para as datas necessárias. Saudades mesmo tinha dos netos! Ouvia-os lá longe, com a cumplicidade da internet, mas faltava-lhe tocá-los, dar-lhes colo, sentir-lhes a ternura a crescer. Tinha tempo. Entrou no Café e pediu um chá. Ficou a ver subir o fumo quente que a fazia procurar o lenço no bolso. Tão bom, o chá.
Ouviu o sino. Ia começar uma missa. Ou seria um funeral? Pagou e entrou em casa carregada. Com mil cuidados, como se esperasse a família distante, pôs a mesa com a toalha bordada, com o serviço melhor, com as velas acesas. Depois, foi fazer o recheio, ouvindo "All I want for Christma´s is you" e esqueceu o tempo. Estava frio! Acendeu a lareira, quase oito horas, e tomou um banho bem quente. Vestiu o vestido vermelho, calçou saltos altos, trouxe as fotografias para perto de si, serviu um copo de vinho tinto, aquecido e com canela. 
Quando a campainha tocou, nem se surpreendeu. 
Podia ser o Pai Natal, ou até o Menino Jesus porque, afinal, nos Contos de Natal os milagres acontecem!

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