quinta-feira, 31 de outubro de 2013

HORAS

Esta recente mudança de hora, incomoda-me. Não gosto de chegar a casa de noite, não gosto de me levantar com o dia acordado. Claro que de nada importam ao mundo as minhas preferências, nem sequer as minhas manias, mas gostava de saber quais são, de verdade, as vantagens desta mudança de hora. Penso que os homens, com a mania de mandar e controlar tudo, decidiram também mandar nas horas e, no fundo, tenho uma certa inveja deste poder. Quem me dera poder mandar nas horas e controlar o tempo... Momentos de ternura, carinho e compreensão, teriam horas de três mil e noventa e sete minutos; vivências de dor e injustiça, teriam horas de dezassete segundos; as aulas com os meus meninos durariam duzentos minutos e as outras, as de conflitos e (des)aprendizagens, far-se-iam de segundos (e mesmo esses, apressados...) E as reuniões? Ah, essas, às vezes, teriam horas com minutos negativos...

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Bruma

Há dias como a vida, cobertos por uma bruma difícil de desvendar. Surge um véu, húmido e transparente, e a gente fica ali, entre o chão e o céu, hesitando entre o objectivo e o sonho. Em baixo está a vida, a real e exigente, a que se faz de possíveis, em cima o sonho sonhado, o a haver desejado e, tantas vezes, impossível de atingir. Às vezes, o sol rasga as nuvens; outras vezes, vem mesmo grande borrasca...

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Bafio


Olha-me com os enormes olhos negros e afirma: - eu hei-de ser do PS para sempre! Sorrio. Tem apenas doze anos, a vida inteira para mudar, para crescer, para evoluir. Nele encontro o eco da família o que, reconheço, faz sentido. O que me incomoda é, apenas, a atitude de recusa de pensar. "Vou ser para sempre..." Recusando a possibilidade de se questionar, de surgirem novas propostas, de adquirir novos saberes, de desenvolver outras competências. A propósito desta declaração sonora, a cheirar a definitiva, penso na recusa dos alunos em aprender. Chegam-nos, bem jovens, formatados e recusando a mudança que me parecia dever ser a sua opção. Como alguém disse "Nasci demasiado tarde, num mundo demasiado antigo..."
Apetecia-me, hoje, ser capaz de abrir as cabeças muito quadradas de  muitos alunos, e de muitos adultos, para deixar correr uma aragem de frescura e disponibilidade. Quem cristaliza, quem chega a conclusões e não evolui, quem recusa ceder ao pasmo de cada dia, cria bolor social. E a sociedade, hoje, parece-me terrivelmente bafienta...

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

EMIGRAR

A mala aberta e desordenada em cima da cama reflectia a desordem dos seus sentimentos. A decisão fora pensada, consciente, mas a chegada, o choque com uma realidade desconhecida, fazia-a tremer. Bem fresca na memória quente tinha ainda Sintra, a praia da Adraga, a sua Lisboa espraiada frente ao Tejo, os amigos e os adeus recentes. Agora, da janela do hotel provisório, via miséria, sujo no chão, ondas de calor, um mar castanho, pastoso e estranhamente calmo. No silêncio do quarto ouvia gritos, pregões, vendo correr crianças meio-nuas por entre o trânsito caótico. Era Luanda a recebê-la, vinda de um país que a rejeitava, disposta a dar-lhe uma nova oportunidade. Tinha medo. Medo físico, mas medo emocional também. Era tudo tão diferente... Os cheiros intensos, as cores, o céu. Era a África, que conhecia de narrativas românticas, a revelar-se num realismo doloroso. Mas fora a escolha dos dois. Portugal não tinha nada para oferecer, o desemprego crescia e eles queriam trabalhar, viver, ter vida e existência para além da angústia do final do mês.
Agora, a vida era a dois, sem amigos, sem família. Só os dois! Tanto e, talvez, tão pouco.

domingo, 27 de outubro de 2013

Romantismo

O espaço parece arrancado a páginas de Dumas ou Musset. As paredes estão revestidas de tecido, os sofás são acolhedores, os abat-jours proliferam enchendo de luz dourada a sala quase vazia. Um solitário lê o jornal, ao lado de uma bebida bojuda. Eles entram, de braço dado e sorrindo. Não trazem nada nas mãos, mas trazem os olhos carregados de futuro a haver. Ela repara nos pormenores, lembra leituras juvenis, ele contesta, sorrindo, apenas para conversar, sugerindo Balzac e o realismo. 
Ela contrapõe Eça, afinal Sintra é o cenário, e ele cede com um Porto para tréguas. Foi romantismo vivido, a dois, como, afinal, deve ser sempre.

sábado, 26 de outubro de 2013

REGRESSO

Voltei a entrar na Faculdade de Letras. Confesso que é um espaço que me traz poucas boas memórias, vivi naqueles corredores graffitados e sujos anos pouco felizes, mas quando volto, sempre para formação, sou assaltada por um tempo que já não é. A Faculdade de Letras continua suja e fria, como se cultura tivesse de ser pretensa originalidade. Desta vez, voltei ao Anfiteatro 3 para ouvir falar das metas que contesto. Mais teoria, mais desadequação à realidade, mais tempo perdido. Como dizia José Régio "Não sei por onde vou//Sei que não vou por aí!" - Não vou pelo caminho da mediocridade, não é isso que quero para os meus alunos!

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

MARMELADA

A cozinha enchia-se de caixas, havia um cheiro intenso no ar, a minha avó vestia um enorme avental e a empregada ficava com os dedos calejados. O chão da cozinha estava escorregadio, nas janelas escorriam lágrimas de chuva. Os dias acinzentavam-se, a noite chegava mais cedo e começava a época da lareira. Começava, também, a minha estação preferida! Eram os marmelos, que caíam dos velhos marmeleiros gordos e pesados, que anunciavam a chegada do Outono da minha infância. A minha mãe orgulhava-se da sua marmelada, bem clarinha, capaz de desenformar logo às 24 horas, e eu adorava comê-la com maçãs de Bravo de Esmolfe. São paladares vividos que nunca esquecerei! Podem roubar-me o ordenado, destruir-me o quotidiano, estilhaçarem-me os sonhos, mas as memórias, essas são o meu património mais rico. São mesmo minhas! E são o que me vale quando os dias doem demais, quando a ternura foge e a solidão se instala. 
Ontem, dia de muita chuva a doer por dentro, a marmelada fez-me voltar às memórias. 
Foi-me oferecida embrulhada em carinho, num tupperware dos antigos, com recomendações e desculpas. 

Era uma gracinha, diziam os olhos brilhantes, os gestos rápidos, a voz despachada da minha aluna Patrícia. Para a professora pôr no seu blog... E eu tirei a marmelada da caixinha, reparei como estava brilhante, e saboreei-a com deleite. A marmelada oferecida adoçou a minha tarde, interrompeu a minha solidão e coloriu o negro que me envolve. 
Agora, vou devolver a caixinha e fazer render a marmelada. É que, cada vez mais, a existência (a minha) se faz de muitos amargos sensaborões...

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

RESISTÊNCIA

Dez professores, bons professores, aposentaram-se na minha escola neste último ano. São professores que marcaram gerações, que deram muito das suas vidas aos outros, que ajudaram a construir projectos de vida. Alguns destes colegas foram determinantes na minha própria prática docente e ensinaram-me muito mais do que todas acções e-learning, b-learning, ou seja lá o que for que eu tenha frequentado. Ensinaram-me a ouvir, a aliar a ternura ao rigor, a exigência à compreensão; ensinaram-me a integrar um projecto comum, transmitiram-me o orgulho de pertencer a uma escola como é a São Lourenço. Ontem, tentámos fugir às emoções, às despedidas tristes e, por isso, entre brincadeiras, música e afectos, dissemos uns aos outros o que as palavras não traduzem.
No final da noite, um aluno disse com alegria:  - Tenho orgulho em ser aluno da Secundária de São Lourenço! E eu chorei mesmo.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

COMPREENDER

Está-me a ser difícil compreender o mundo que integro. Racionalmente, sei-me integrada (relativamente) no vazio de valores e referências, guiada por interesses apenas materiais, numa sociedade umbiguista e injusta. Emocionalmente, sinto-me embrulhada na solidão dos singulares, sem pontes que me liguem a nenhuma margem. Sei que é preciso compreender o mundo, compreender os outros, compreender as dificuldades, compreender as dores alheias, compreender escolhas, compreender possíveis. Mas, mais do que compreender, ou para além de compreender, queria ser capaz de aceitar sem tanta dor. Sim, dói-me a revolta sentida. Dói-me a obrigatoriedade, pessoal e social, de compreender os outros, sem que me compreendam a mim. Compreender é importante mas, acho eu, às vezes não chega!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Em abstracto?

Encontrei duas jovens mães, nos primeiros trintas, com as crianças no jardim. Magras, descontraídas, giras, com a vida pela frente, em calças de ganga despretensiosas, falavam da vida. Da delas. As crianças, de meses, estão já na creche, uma numa IPSS, outra numa instituição privada. As duas jovens, por ser domingo, gozavam as filhas com avidez, sofreguidão quase, e comentavam que, diariamente, deixam-nas nas creches às oito da manhã e vão buscá-las às seis ou sete da tarde. Uma delas, sorrindo amargo, constatava que a filha tem mãe acordada três horas por dia. A outra mãe, com uma filha mais pequena, dizia que ganhava menos do que uma empregada de limpeza, embora tivesse feito uma licenciatura e um Mestrado. Interrogava-se sobre a importância de ter estudado na Universidade Nova, de ter feito um investimento enorme na sua formação para, agora, ganhar trezentos euros por mês. A rir com tristeza, contava que enviara currículos para todo o lado mas o único ordenado interessante viera-lhe de uma agência de acompanhantes de luxo que, obviamente (ou não?!), recusara. Eu ouvia e observava.
Que vida têm estas jovens mães? Fará sentido estudar, conseguir uma graduação superior para, neste país, viver miseravelmente? Fará sentido que a vida destas jovens mulheres se faça de limitações e impossibilidades? Será esta a sociedade que se pretende num mundo dito desenvolvido e humanizado? Muitas vezes, oiço os políticos formularem hipóteses "em abstracto". Apetece-me sugerir-lhes que olhem para o concreto...

domingo, 20 de outubro de 2013

DÚVIDA

O senhor presidente tem dúvidas sobre o orçamento do estado e pondera, dizem os Media, pedir o parecer do Tribunal Constitucional. Eu tenho a certeza, absoluta, que mesmo que o orçamento seja constitucional, é injusto, violento, agressivo, desumano e disparatado. Se governar é roubar quem trabalha, então qualquer um pode ser governante...Nem de propósito, recebi hoje esta pequena história, muito elucidativa, que não resisto a partilhar:
" Era uma vez um rei que queria pescar.
Chamou o seu meteorologista e pediu-lhe a previsão do tempo para as próximas horas.
Este  assegurou-lhe que não iria chover.
A noiva do monarca vivia perto de onde ele iria e colocou a sua roupa mais elegante para o acompanhar.
No caminho, o rei encontrou um camponês montando seu burro que viu o rei e disse: "Majestade, é melhor o senhor regressar ao palácio porque vai chover muito".
O rei ficou pensativo e respondeu: "Eu tenho um meteorologista, muito bem pago, que me disse o contrário. Vou
seguir em frente".
E assim fez. Choveu torrencialmente.
O rei ficou encharcado e a noiva riu-se dele ao vê-lo naquele estado.
Furioso, o rei voltou para o palácio e despediu o meteorologista. Em seguida, convocou o camponês e ofereceu-lhe emprego.

O camponês disse: "Senhor, eu não entendo nada disso. Mas, se as orelhas do meu burro ficam caídas, significa que vai chover".

Então, o rei contratou o burro.
E assim começou o costume de contratar burros para trabalhar junto ao Poder...

Desde então, os burros ocupam as posições mais importantes junto ao poder!

sábado, 19 de outubro de 2013

O PRESENTE

Mal entrou em casa, viu-o. Minúsculo, papel vermelho, laço branco, enorme, cheio de frufrufrus, estava instalado na camilha de trabalho, bem ao centro, sem cartão, como se por si só bastasse. Ela olhou-o e desprezou-o. Com calma, arrumou as compras no frigorífico, atirou os saltos altos para um canto e vestiu o casaco velho e gasto. Voltou a olhar o presente, agora com alguma curiosidade, parecendo-lhe que ele estava amuado por ter sido votado ao esquecimento. Quem teria enviado a caixinha? Olhou o embrulho de um lado e de outro, buscando o remetente, mas nada. Agitou a caixinha, seria um anel?, mas nenhum som se denunciou. Voltou a colocá-lo na camilha e foi preparar trabalho. O presente continuava ali especado, ofendido já. Foi antes de aquecer a sopa do jantar que resolveu abri-lo. Com mil cautelas, puxou a ponta do laço. Depois, descolou a fita cola e, finalmente, ficou com a caixa na mão. Não era de veludo, não era um anel. Com crescente curiosidade, abriu a tampa e saltou de lá um abraço vermelho, ternura azul e mil beijinhos salpicados de arco-íris. Era riu com gosto: - Era tudo o que mais desejava! 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

RECONHECER O MÉRITO

Julgo que toda a gente, obviamente pessoas normais, gosta de ver reconhecido o seu esforço, o seu trabalho, o seu mérito e as suas competências. Claro que, profissionalmente, associa-se a este gosto o do vencimento adequado ao trabalho e ao esforço... Mas, excluindo mesmo o desempenho profissional, penso que nas pequenas coisas do quotidiano todos gostamos de um reconhecimento, de um elogio, de um mimo. Eu, por exemplo, fico feliz quando recebo um sorriso verdadeiro da Bia, ou um olhar desafiador do Miguel, ou mesmo uma confidência do Afonso. São as pequenas ENORMES coisas que dão sentido a uma vida que, cada dia que passa, tem menos sentido. Hoje, na minha escola, foi tempo de entrega de Diplomas e Certificados de mérito, valor e excelência. Os melhores alunos, MUITOS!, com média superior a 16 valores, receberam diplomas e, sobretudo, viram o seu nome brilhar no ecrã gigante do anfiteatro. Eu, como professora, mas, também, como cidadã, estava orgulhosa e comovida.
Temos gente muito boa e, às vezes, parece que só lembramos os maus, ou os medíocres, ou os vadios, ou os preguiçosos. Pensamos em soluções para esses, inventamos e reinventamos estratégias e esquecemos os outros. Esquecemos esta gente boa, que vai vingando no silêncio e que precisa  (e merece) ser reconhecida e elogiada; precisa ser mimada e acarinhada.
Ver o grande ginásio a bater palmas aos bons alunos, encheu-me a alma de professora. É bom sentir que faço parte de uma escola assim, viva e lutadora, capaz de encher de sorrisos de vitória um ginásio imenso!

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

OS PAIS E A FELICIDADE

Muitas vezes, quase me atrevo a dizer que diariamente, comento, e oiço comentar, a culpa/responsabilidade dos pais nos comportamentos dos filhos. Aliás, já há alguns anos o Dr. Daniel Sampaio publicou um livro intitulado, exactamente, "Inventem-se Novos Pais"... De facto, sinto e constato que os pais são, muitas vezes, os principais responsáveis pela infelicidade dos filhos.
Mas eu também sou Mãe e, como tal, não falo de cor e sei que os pais querem sempre o melhor para os filhos. Onde, então, está o problema? Penso e repenso e concluo que o que faz falta é aprender a educar para a felicidade! Se os pais querem que os filhos sejam felizes, e querem!; têm de os educar para tal. Como? Seguindo algumas, "pequenas" ideias minhas (e como tal carentes de fundamentação científica e enformadas de mil erros):
1º Tempo de Qualidade - É preciso dar tempo, e ter tempo, para estar com os filhos. Para os ouvir, para colher flores, para caminhar ao ar livre, para partilhar um jogo. E para ouvir os telejornais e opinar, ouvindo e não impondo conclusões! Tempo para falar e para ouvir. Ouvir muito, falar o suficiente.
2º Regras - Fundamental impôr regras, os pais não são o amiguinho lá da escola..., e obrigar ao seu cumprimento. Implica a dolorosa, mas imprescindível!, tarefa de castigar. De dizer Não! Não ceder às lágrimas de arrependimento fácil, mas fazer valer a palavra do adulto e o cumprimento da regra definida.
3º Respeitar - Essencial respeitar o espaço de cada um. Há coisas que são dos pais, há coisas que são dos filhos. Não ler emails, não abrir correspondência, não questionar sobre amizades até à exaustão.Não querer controlar tudo, até a realização dos trabalhos de casa, mas estar disponível para orientar quando a orientação é pedida.
4º Afecto - Usar e abusar da ternura, do mimo, do carinho, do abraço, do beijinho e do "colo". Fazer elogios, achar lindos os patinhos feios! É que eu acho que não há quem não goste de ser gostado...
5º Pensos rápidos - Ter sempre à mão pensos rápidos é fundamental. Em pequenos, faz-lhes bem cair e esfolar joelhos e mãos; mais velhos é importante arranhar a alma, rasgar o coração, e saber que em casa há pensos rápidos...
6º Verdade - Nunca premiar a mentira e valorizar sempre a verdade. Ainda que. Mesmo que.

É tarde na noite, a insónia está dura, o "Homem de Constantinopla" já chegou à última página e isso tudo, confesso, toma conta do meu texto. Mas, ainda assim, e de verdade mesmo, penso que a felicidade é uma competência que se pode desenvolver e gostava muito, mas gostava mesmo, que entrasse em vigor a pedagogia da felicidade! 

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

AO MURRO

" Mas se me chamam nomes, eu parto-lhes a cara!" - Eu falo da importância de não dar ouvidos, de responder com frieza e distanciamento, de ignorar e desprezar a violência. Falo-lhes da força da palavra, da importância da ternura e do respeito. Não resulta. As minhas palavras esbarram na rotina aprendida, na violência conhecida e há muito praticada. Em casa, confronto-me com a notícia de um jovem que esfaqueou colegas e funcionários, em Portugal, ali mesmo em Massamá e, para meu espanto, oiço um psicólogo garantir que o jovem deu sinais de alarme e que os professores o negligenciaram. Ou seja, os professores têm a culpa! Será que os psicólogos conhecem o trabalho constante dos professores, entre alunos que se agridem, outros que faltam, outros que não trabalham e ainda outros que se calam? Será que os psicólogos sabem que os professores assistem a trinta necessidades específicas ao mesmo tempo? E que mudam de "clientes" de hora a hora? E que funcionam ao toque da campainha, sem hipótese de fazer crescer tempos? E que são diariamente bombardeados com alterações ao programa, currículos alternativos, diferentes níveis de aprendizagem, reuniões, formações, exercícios e avaliações?!
Lido com jovens há mais de trinta anos e nunca desisti de nenhum. No entanto, hoje, sinto resvalar o chão que piso e isso, honestamente, apavora-me! No entanto, não aceito com indiferença as "culpas" que querem fazer-me carregar. A violência crescente nas escolas não é responsabilidade dos professores. É, apenas..., a consequência lógica de uma sociedade desumanizada e cada vez mais injusta!

terça-feira, 15 de outubro de 2013

METAS

Afinal, as metas curriculares continuam em vigor e, agora, tudo parece depender das mesmas. Curiosa e estranhamente, fala-se em operacionalizar metas (não é a meta o lugar onde se chega?), em desenvolver as metas, em centrar o ensino nas metas. Vai daí, organiza-se formação e vende-se o que não faz nenhum sentido. Como sempre sobra para mim, obviamente também vou frequentar a formação das metas... Mas não vou ficar a saber como atingir as metas, o que muito me chateia!
Este sistema educativo, deste país que é o meu, não para de piorar e de me desiludir. Agora, para complicar, os "génios" da educação parecem ter eliminado a palavra aprendizagem e tudo se resume ao ensinar. Ensina-se, ensina-se, ensina-se e ninguém aprende. Mas não faz mal, porque aprender também não está nas metas...

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Partida

Finalmente, depois de desencontros magoados, depois de muitas rasteiras da vida, vencida muita solidão abandonada, a vida parecia encarrilar. Lembrava Pessoa, "gira a entreter a razão, esse comboio de corda que se chama coração" e revia-se no engodo. Quantas vezes cedera ao coração, quantos adiamentos não fizera, sofrendo, dando crédito a emoções traiçoeiras? Mas tinha decidido não olhar para trás (para trás mija a burra) e, por isso, olhava em frente com esperança.
 Não tinha sonhos, porque os sonhos nunca acontecem, (e quando acontecem, deixam de o ser...,) mas tinha certezas e coragem. Se o mundo colapsava à sua volta, ela lutaria para se salvar. Por isso, olhava o coração com a força da razão, desligava as culpas e os olhares alheios, e fazia a mala. Ia partir! Para trás (no tal lugar para onde a burra...enfim...) deixava os preconceitos, os medos, os conselhos que não pedia, as verdades alheias que nada lhe diziam. Ficavam reflexos que alteravam a realidade, perspectivas agudas e espelhos modificadores onde não se revia.
Na mala metia a força do sorriso, a energia forte do abraço a dar, a ternura quente a partilhar. Partia numa viagem definitiva, sem paragens nem recuos, com destino conhecido e desejado. O coração ia arrumado, firme e seguro, amparado na compreensão mútua e no carinho constante. O Tempo tem sempre tempo, quando o Tempo faz sentido!

domingo, 13 de outubro de 2013

EU ACREDITO

Nem de propósito, hoje bem cedo ouvi o Papa Francisco. Ouvi-o falar de alegria, com Alegria; ouvi-o dizer que o ser humano deve ser alegre e contente, e não triste e solitário; ouvi-o contar a desumanidade da humanidade, ouvi-o dizer que quem ama mima-acaricia-protege- fica o lado - estende a mão; ouvi-o dizer que mais importante do que discutir a fé de cada um, é lutar para combater a fome e a miséria no mundo; ouvi-o garantir que bem mais importante do que julgar, ou condenar, é escutar e compreender.
Hoje, senti que o Papa Francisco estava a falar para os meus medos, para a minha fé hesitante, para a minha angústia que dói. Eu acredito no Papa Francisco e, hoje, foi bem ter conversado com ele.

sábado, 12 de outubro de 2013

OUTONO

Finalmente, parece disposto a chegar, o Outono. É a minha estação preferida e, ao contrário do que dizem, não acho que carregue morte. Bem pelo contrário, vejo os campos prenhes de futuro, cansados mas com energia para recomeçar, com as folhas caindo das árvores, mas elas agitando-se para dizerem que estão vivas. Na minha Serra os castanheiros estão carregados, os vermelhos e amarelos cobrem os muros, as macieiras oferecem as deliciosas maçãs de Bravo de Esmolfe. É a vida! É um grito que vem das entranhas da Terra para me lembrar que ninguém está condenado ao fim, que mesmo na morte pode haver renovação. 
Sopra um vento fresco lá fora que embala a minha insónia. Sabe-me bem, peço-lhe que leve para longe os meus receios e que me embale na segurança de um amanhã renovado. 
Bem vindo seja o Outono!

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

CRIME

Muitas vezes, nas horas das actividades do Clube Europeu que coordeno na minha escola, falo aos meus alunos de democracia, de liberdade, da necessidade de participar, conhecer, criticar e opinar. Falo-lhes de governos que respeitam quem os elege, que têm como meta melhorar e dignificar a vida dos cidadãos, que colocam acima de qualquer valor a dignidade humana. 
Ultimamente, tenho dificuldade em tornar credível a minha acção formativa e educativa. Porque os alunos, tal como eu, têm consciência de que quem nos governa tem sempre outros valores que não os do respeito por quem os elegeu, ou a dignidade do ser humano. Vivemos governados por gente que nos maltrata, nos rouba - SIM! ROUBA! - e não nos permite viver com dignidade. Aos miúdos tenho, cada vez mais..., dificuldade em explicar a necessidade de votar e de participar civicamente, porque nem eu já acredito na democracia que defendo, na liberdade que venero.
Quando quem nos governa nos rouba, nos maltrata, nos humilha, onde fica o sentido da sociedade justa e humana? 
Sinto-me violentada diariamente e acho, sinceramente, que o que estão a fazer a Portugal e aos portugueses é crime! Tirar mais 10% nos vencimentos que já são miseráveis, é roubar e matar! A minha dor e revolta, o meu desespero e desencanto, não têm tamanho! Se, um dia em breve, o meu país pegar em armas, eu vou compreender...

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

40 horas

Já aí estão, as 40 horas! Estão como se fossem, por si só, a salvação do país, e eu não posso deixar de me espantar. (Ao menos o direito ao espanto ainda não é taxado...) Não me parece que o problema seja a quantidade de tempo de trabalho mas, sim, a qualidade do mesmo. Há quem produza mais em dez horas, do que outros em vinte... Mas eu não percebo nada de economia e não vou sequer fingir que percebo. As quarenta horas fizeram-me, apenas, recordar uma história que vivi na primeira pessoa há quase cinco anos... 
No âmbito das actividades desenvolvidas pelo Clube Europeu da minha escola, coube-me acompanhar quatro alunos numa viagem de cinco dias a Stavanger, na Noruega. Os alunos ficaram alojados em casa de colegas e, durante o dia, assistiam a aulas e partilhavam o quotidiano de quem os recebia. Os professores, eu, um colega de Espanha, um inglês, e uma lituana, acompanhavam os alunos depois das aulas, a partir da uma da tarde e, de manhã, assistiam a actividades e/ou reuniam para partilhar experiências. Numa destas reuniões, coube-me apresentar a organização do quotidiano lectivo dos alunos do ensino secundário em Portugal e, quando eu disse que entravamos na escola às oito e trinta, e saíamos pelas cinco ou cinco ou cinco e meia, um professor norueguês, um senhor muito loiro e atento, perguntou-me: - E quando é que os alunos aprendem?! - Expliquei que pensava que aprendiam nas aulas, e ele, com sinceridade e sem crítica gratuita, explicou que a aprendizagem é um acto individual e que carece de tempo de reflexão individual. À escola, disse, cabe abrir caminhos, avaliar processos e graus de consecução de objectivos, mas a aprendizagem, a efectiva, depende de cada um. Pensei muito no que ouvi, fiz leituras, constatei que os nossos jovens são os que, na Europa, mas tempo passam na escola e, no entanto, estão longe de ser os que mais sabem... Desde então, nunca mais usei a expressão "processo de ensino-aprendizagem" que substituí, definitivamente, por "processo de ensino E aprendizagem". Agora, ao ouvir o anúncio das 40 horas, lembrei-me de novo de Stavanger. 
Mais, nem sempre é sinal de melhor. Acho eu.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Há Pessoas Assim

Há pessoas que sabem tudo! Sabem até o que o próprio desconhece, sabem em que pensa o outro, adivinham sentimentos, sabem o que está no futuro que as estrelas ocultam. Há pessoas que trazem a verdade no bolso, em sentenças firmes, lançando juízos como quem despeja copos de água (da torneira). Há pessoas que (julgam) ter sempre razão, não escutam, opinam e sentenciam sempre. São pessoas azedas, de bala pronta a disparar, com uma incrível capacidade para condenar. São pessoas que, imagine-se, antecipam o futuro alheio, traçam vivências a haver. Estas pessoas, que nunca têm dúvidas, vão criando vazios imenso à sua volta e, de repente, são ilhotas perdidas em espaços desumanizados. Quando encontro pessoas assim, fico feliz por ser humana, por ter sempre imensas dúvidas, por me deixar levar nas asas do sonho e da imaginação. É bom ter falhas e poder mudar!
 

terça-feira, 8 de outubro de 2013

DESPORTO ??

Eu não gosto de desporto em geral. (Imagino raios e coriscos a caírem sobre mim...) mas não gosto mesmo e, especialmente, detesto atletismo  e ciclismo. Sou capaz, claro, de assistir a um desafio de futebol, sobretudo se for um Portugal qualquer coisa, mas sou incapaz de ficar a ver passar as bicicletas ou os corredores. Gente suada, esquelética, a correr (ou parada que seja) não me seduz. Acho, por isso, que os desportos se deviam praticar nos lugares para tal existentes e não nos espaços públicos onde as pessoas não desportistas passeiam e tentam descansar nos fins-de-semana. Irrita-me tudo o que seja imposição e, por isso também, irrita-me que cortem estradas e vias, que me impeçam de sair e entrar em casa quando me apetece, só porque alguém se lembra de ir correr ou pedalar! Detesto esta mania moderna de impor comportamentos e hábitos que não quero para mim! Como dizia Fernando Pessoa: Vão para o diabo! Ou Deixem-me ir para o Diabo sozinha!

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

GORDURA

Está na moda a dieta, o desporto, a elegância. Abundam os corpos de liceu com cara de museu, a televisão enche-nos de modelos anorécticos e esfomeados que, dizem, são a beleza. Confesso que olho para isto tudo com pouco interesse. Defendo o bom-senso, o combate a qualquer tipo de exagero e, por isso, até costumo troçar de alguns excessos e de alguns/mas maníacos com a obsessão da magreza e da suposta saúde.
Mas, hoje mesmo, na minha caixa de email entrou outro tipo de gordura, de OBESIDADE, que, essa sim, me incomoda. Recebi a indicação do excesso de peso do estado e fiquei mesmo revoltada! Ora veja-se:
 
1º Exemplo
-   Presidente dos EUA recebe por ano $400.000,00                 (291.290,417 Euros);
-   O Presidente da TAP recebeu, em 2009,                                624.422,21 Euros;
-   O Vice-Presidente dos EUA recebe por ano $ 208.000,00   (151.471,017 Euros);
-   Um Vogal do Conselho de Administração da TAP recebeu 483.568,00 Euros;
-    O Presidente da TAP ganha por mês 55,7 anos de salário médio de cada português.
 
2º Exemplo
-  A Chanceler Ângela Merkel recebe cerca de              220.000,00 Euros por ano;
- O Presidente da Caixa Geral de Depósitos recebeu         560.012,80 Euros;
- O Vice-Presidente da Caixa Geral de Depósitos recebeu 558.891,00 Euros;
- O Presidente da Caixa Geral de Depósitos ganha por mês 50 anos de salário médio de cada português.
 
Obviamente, não fui investigar o rigor desta informação, tenho muito mais que fazer, mas acredito que é a verdade e não consigo ficar indiferente a uma enormidade destas! Como será alguma vez possível a Portugal sair da crise se esta obesidade é mais do que mórbida??

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Jardim Florido

Não tem fotografia espantosa, a interpretação é vulgar, o enredo conhecido. Diana não é um filme de referência, não traz nada de novo, não impressiona nem incomoda. Com certeza, nas estrelinhas dos críticos terá zero. 
Mas a mim, deu-me que pensar. Até que ponto, numa sociedade como a nossa, feita de mediatismo e imediatismo, não somos todos, de alguma forma, responsáveis pela infelicidade alheia? Onde fica, neste mundo maluco, o direito ao "eu", à privacidade, à liberdade no que ela tem de mais pessoal? Dir-me-ão que a Lady Diana era uma figura pública e, por isso, teria de se sujeitar ao olhar devastador, intromissor e crítico de todo o mundo. Talvez. Mas talvez não tenha de ser assim, ou talvez não devesse ser assim... 
É estranha a influência que o olhar alheio, do outro, tem sobre as decisões individuais. É doloroso saber que, muitas vezes, há quem desista da sua felicidade apenas porque a mesma não cabe, ou parece não caber, nos cânones da sociedade. E, no entanto, como a sociedade é hipócrita...
No filme pode ler-se, numa mensagem de amor, "Para além do Bem e do Mal, há um jardim florido. Lá nos encontraremos!" Não será possível que o Amor encontre esse jardim antes do Fim, antes da Morte, antes da destruição? No fundo, Diana é um filme de Amor, por isso, um filme eterno. Mas eu queria que não fosse eterna esta submissão individual ao olhar social, ao tal Bem e Mal que, tantas vezes, só é válido na aparência. Se calhar, o que eu queria mesmo era encontrar o tal jardim florido, antes do fim definitivo!

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Ideias...

Por razões profissionais, levo a vida a avaliar, a reformular, a punir e a premiar. Hoje, mais uma vez pensando na avaliação dos meus alunos, tive uma ideia (peregrina...) Acho que os recem-eleitos para as autarquias e afins deviam, todos os anos, apresentar uma avaliação do grau de consecução das promessas feitas. Gostava de ver isso, gostava mesmo! Claro que, não tendo atingido os objectivos, não tendo cumprido as promessas, seriam penalizados. Era justo, não era?

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

SIM

Diz-me que sim.
Diz que compreendes
Diz que o nonsense faz sentido
Diz que há tempo
que é tempo...
Escuta e sorri.
Abraça-me forte
Cala a minha angústia,
Mima o meu sentir,
Beija a minha mágoa.

Depois, levemente, 
Deixa-me ir...

terça-feira, 1 de outubro de 2013

AS MENINAS

Ao fundo da sala, sem livro, as meninas conversam. O professor pede (PEDE) a atenção das excelências e, por alguns segundos, as meninas ouvem. Num instante volta a conversa, a distração. As meninas não querem saber para nada como se elabora uma entrevista, menos ainda lhes interessa distinguir um nome de um adjectivo, porque o mundo delas se faz de outros saberes. O professor acerca-se e vê um caderno escrito. Olha, e cora o professor, (porque as meninas já não coram). As meninas, que têm 13 e 14 anos, trocam conversa escrita e, no caderno, há já duas páginas cheias de muitos palavrões, muita obscenidade, muita vulgaridade. Falam de hipóteses de práticas sexuais, partilham experiências (?) num vocabulário que incomoda e revolta - o professor (as meninas não se incomodam).
Estas meninas não cresceram ainda e já estão a apodrecer. As palavras que usam são feias, os interesses degradantes. Estas meninas não sonham crescer, sonham ser usadas e usarem. Estas meninas não gostam de ler, nem de aprender, nem de reparar que o outono chegou, que as folhas cobrem o chão, que a cidade está envolta num manto cinzento. Estas meninas gostam de palavrões, com muitos éfes e érres, e não percebem porque razão não podem, na escola como na vida, fazer apenas o que lhes apetece.
Estas meninas, não são meninas. E deviam poder sê-lo! Estas meninas precisam da acção dos adultos, do olhar atento, da autoridade eficaz, terna e inteligente. Estas meninas não precisam da escola autista que, cada vez mais, o país lhes dá...