sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Paz

Talvez não exista, a paz. Talvez seja apenas uma ideia, um Valor abstracto, uma ambição sem sentido. Uma mais. Mas eu desejo-a. Ah, como a desejo! Às vezes, reconheço, encontro-a brevemente. Encontro-a nos campos onde caminho, nas cores que me provocam lágrimas, nas gargalhadas de alguns alunos, nos abraços peludos que o Tango me dá todas as manhãs. Mas aparece-me sempre fugaz, e fico com a sensação de que me foge vezes demais.
Hoje, fui invadida por um enorme desejo de a encontrar. Apetecia-me meter férias de existir e partir em busca de ser. Em busca da paz que tanto desejo!

A nódoa

Na lavandaria tentaram tudo. Três vezes levámos o vestido à máquina, mas não saíu. A nódoa nota-se e, nesta cor, pior... Ela olha o vestido com pena. Gostava dele, da cor salmão forte, do bordado a lembrar renda antiga, da saia um pouco curta, do corte clássico e confortável. Aquela nódoa, a mancha logo no decote, não dava jeito nenhum! Nem pensava, por enquanto, no dinheiro que tinha dado por ele... Que pena a nódoa. De que fora? Por mais que pensasse, que revisse e reconstruisse vivências, não conseguia identificar a causa da mancha no decote do vestido salmão. Agradeceu à funcionária da lavandaria, pendurou o plástico no automóvel e foi para casa.
Era uma tarde quente, outono tardio, e o sol aparecia manchado de nuvens negras, nódoas também. Em casa, decidiu tentar ela mesma eliminar a mancha e atacou com oxiblanca. Deixou o vestido de molho, esfregou, pô-lo a secar e, quando o retirou do estendal verificou que a manchinha tinha crescido e era, agora, uma manchazorra bem visível. Com uma fúria desiludida enfiou o vestido no lixo. Nem faria trapos dele, para não mais ter de enfrentar a perda que a desgostava.
Então, olhou-se por dentro e viu, claramente visto, que tinha a alma também carregada de manchas. De nódoas. Aqui, identificava as desilusões azedas, os falhanços gordurosos, a negrura de muitas vivências e lamentava não poder levar a alma à lavandaria... Se pudesse, enfiá-la-ia na máquina e ficaria feliz se ela encolhesse.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

13 Anos

"Tenho 13 anos que os fiz em Janeiro//Madrinha casai-me com Pedro Gaiteiro//Já não sou a Anita como era primeiro//Sou a dona Ana que mora no outeiro". Não, ela não é a Anita. Ela é a Carolina, não mora no Outeiro, não tem direito a dona e não quer casar-se já (acho eu). A Carolina faz hoje 13 anos. Está no 8º ano, tem muitas amigas, tem telemóvel, gosta de cães, de gatos e de cavalos, estuda pouco e ri-se inteira. A Carolina é uma miúda a fazer-se mulher, filha mais nova a crescer depressa demais. A Carolina gosta de ler, gosta de desafios e, acho eu..., poderá vir a ser uma grande mulher se a vida, e a ESCOLA, a deixarem. Há muitas Carolinas nas nossas escolas, muitas adolescentes em confronto com a vida e com a dureza de crescer.
Vejo a Carolina e penso nas outras todas. Olho o mundo e tremo. O que estamos nós, adultos, a fazer por estes miúdos que têm treze anos, catorze ou doze? Hoje, fiquei a saber que a minha Carolina vai fazer a festa de anos - TREZE! - num restaurante, ao jantar, com as amigas. E a família? E o tempo para assinalar a data num ambiente de afectos reais e não de comes e bebes? Que sentido faz um grupo de miúdos de 13 anos ir para um restaurante em dia de anos? A Carolina faz treze anos, e eu sinto que tenho 130! Este tempo de teórica modernidade incomoda-me, cheira-me a vazio e a oco. Lembro outros 13 anos, a ida à escola buscar as amigas e os amigos, o fazer do bolo, a ida com as minhas meninas ao supermercado para comprar os sumos, para escolher os petiscos que, juntas, preparavamos na véspera. Então, o festejar dos aniversários durava, fazia-se de muitos rituais, eram marcas eternas na vida. Creio que, ainda hoje, já adultas, as minhas filhas recordam estes momentos. Provavelmente, estou a ficar fora de prazo. Este tempo,  não me faz bem. ..

RENDIDA

Muitas vezes fiz troça do GPS. Achava ridícula a voz da senhora, carregando nos érres, a mandar-nos sair na segunda saída da rotunda, ou a exigir que invertessemos o sentido de marcha logo que possível, quando tinhamos a certeza de estar no caminho certo. Dizia eu que, se tivesse um carro com GPS, havia de o desligar sempre. Pois retiro o que disse! Rendo-me. Tenho um GPS, que se chama Tomtom, e que me ajuda a encontrar a bomba de gasolina mais próxima, auxilia-me na escolha do caminho mais rápido para o meu destino, ensina-me a evitar portagens e ainda me avisa quando, (o que acontece com alguma frequência), conduzo em excesso de velocidade. Rendi-me à tecnologia e gosto da minha companheira de viagem, sempre atenta, a arrancar-me às autoestradas da distracção onde tantas vezes me perco. O meu Tomtom mostra-me a estrada, os campos circundantes e apresenta-me a barragem de Montargil como se fosse o mar.
A única coisa que o GPS não faz é indicar-me o caminho para a felicidade, apontar-me as saídas certas para a tranquilidade, avisar-me do excesso de emoções que impedem a minha paz. O meu GPS, que até escurece sozinho quando a noite cai, ainda não descobriu o satélite das minhas emoções mas, sinceramente, começo a acreditar que, um dia, isso acontecerá. Então, eu não serei mais Mulher, não serei mais humana,  mas serei, com certeza, mais tranquila e bem situada na vida...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Aplauso

O meu aplauso para o Ministro da Educação, Dr. Nuno Crato! Aplaudo efusivamente a decisão de acabar com os prémios pecuniários para os bons alunos. Sempre achei errado, profundamente errado, haver pais que dão aos filhos dinheiro quando estes têm boas notas e, na mesma linha, vi como uma aberração pedagógica e formativa a ideia de dar 500 euros aos alunos com excelentes notas. Fico muito satisfeita por ter acabado esta, para mim, idiotice completa!
Defendo que o mérito deve ser elogiado, distinguido e acarinhado, mas não pago! Creio que a entrega de dinheiro a quem é bom aluno, excelente aluno, servia, apenas, para contribuir para o crescente materialismo da sociedade. Afinal, ter notas excelentes deve ser a meta de cada um, e não a excepção que o país paga!
Eu já admirava Nuno Crato, sempre achei que - finalmente! - tinha no meu ministério alguém com competência para o mesmo e, felizmente, tenho visto concretizarem-se as minhas expectativas. Acredito, convictamente, que agora a Escola pode mudar e a Educação pode, enfim, encontrar um rumo correcto. Admiro a competência de Nuno Crato com a mesma convicção com que condenei sempre a ignorância e opacidade intelectual das duas ministras que o antecederam.
Palmas para Nuno Crato!

Experiência Traumática

Sempre defendi, e defendo, que devemos intervir civicamente. Julgo que viver em sociedade não pode ser ficar de fora, criticando, condenando, sem ajudar a fazer melhor e, por isso  mesmo, há muitos anos que participo como sei e posso. Fui candidata a deputada, andei colada pelas paredes e paragens de autocarro, fui militante activa e, há já quase dez anos, sou membro da Assembleia Municipal da minha cidade, do meu município. Sempre que há reunião da Assembleia, leio a documentação, formo a minha opinião, tento perceber o que está em causa e esforço-me por lutar por aquilo em que acredito. Provavelmente, cometo erros de apreciação mas, garanto, não é a minha participação cívica que me provoca insónias. Sei que dou o meu melhor!
No entanto, começo a achar que é tempo de me afastar, porque as reuniões da AM começam a revelar-se experiências verdadeiramente traumáticas! Há intervenções, de gente muito jovem, que se fazem de palavras ocas, frases feitas, reproduções de tristes comportamentos a que assistimos na Assembleia da República e que em nada nos dignificam. Ouvir jovens, na casa dos 30 anos, falarem pomposa e rebuscadamente sem nada dizerem, em tons que me provocariam gargalhadas se não fosse o desgosto que sinto, começa a ser traumatizante mesmo. Num mundo em crise profunda, quando o dinheiro escasseia, porque continua a abundar a vaidade, a mediocridade engravatada? Às vezes, nos longos serões que se enchem com estas sessões, oiço ecoar Eça de Queirós: "... Nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento de caracteres, mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se a par, a Grécia e Portugal". (Farpas, 1872) Será eterna esta condenação à mediocridade?

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Vindimas

Chegou à soleira da porta e olhou o horizonte cansado, as folhas amarelecidas, os grandes alguidares a aguardarem as uvas, os homens a falarem grosso, lá longe, ao fundo do seu olhar. Era a época das vindimas, era o tempo do Outono. Dantes, Setembro chegava sempre em festa, os homens faziam carreiros de laboriosas formigas e, em cinco dias, as vinhas perdiam os cachos gordos que ela adorava depenicar. Agora, tudo era mais rápido. Vinham as máquinas, tinham-se aberto caminhos largos, avenidas num espaço alheio, e meia dúzia de braços chegavam para limpar as videiras. Agora, já não ficavam até tarde, cantando, os homens que pisavam as uvas e faziam o vinho. Agora, tudo acontecia com eficiência e rapidez, e os fundos plásticos levavam para a Adega toda a produção. Talvez fosse melhor assim, era um trabalho menos duro, mas faltava o seu quê de magia e fascínio áquele ritual. Da porta, encostada e sonhadora, revia outros tempos e pensava futuros. Como seria em breve, quando ela desaparecesse, quando ninguém estivesse na Casa para marcar os tempos de colheitas e sementeiras? Sentiu um arrepio incómodo. Melhor era não pensar nisso, ela não estaria presente e, quanto a isso, nada podia fazer. Era a vida. Uma vida estranha, sentia, feita de nonsense, de práticas que, cada vez mais, sentia ocas de sentido. Fora uma solitária sempre. Em miúda, era a gaiata arisca que se escondia no sótão para ler. Jovem, escandalizara todos na luta independente pela sua felicidade, assumindo o fracasso do casamento, escrevendo sempre, tornando-se a avó escritora de netos longínquos cuja ausência fazia doer. Tanto. Às vezes, desejava ser como a vinha e criar avenidas largas que a afastassem das emoções.
O sol começava a pintar de vermelho o céu imenso e as cigarras soavam num concerto bem afinado. Gostava de as ouvir. Sempre tivera uma predileção pela cigarra, na história da cigarra e da formiga, e sempre achara que La Fontaine nunca deveria ter ouvido uma cigarra a adormecer cada dia.
Sentou-se na cadeira de lona e ficou vendo a noite a chegar, os homens a partirem, a paz silenciosa a ocupar o seu espaço de sentires. Um dia, seria total o silêncio, eterna a solidão. Um dia, não haveria mais lágrimas denunciando saudades, livros gastos de poesia sempre relida, canecas de chá denunciando insónias de Mulher. Um dia, aconteceria a sua própria vindima e, então, concluiria, talvez, a inutilidade de tantos sentires, de tantas saudades, de tantas eternas solidões.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A lagartixa

Apesar de sempre ter vivido no campo, estando habituada ao restolhar dos bichos, sendo comum cruzar-me, nas minhas caminhadas, com cobras assustadas, não gosto de répteis. Metem-me nojo, fazem-me impressão e sempre me assusto quando os sinto por perto. Ora, como existe de certeza um diabinho que vive infernizando a minha vida, acho que deve ser o antónimo do meu anjo da guarda, hoje, muito descansada a apanhar um raio de sol, estava uma  senhora dona lagartixa na minha sala de trabalho, bem pertinho da camilha onde passo longas horas escrevendo, lendo, preparando aulas e formações. Gritei de susto, mas a dona bicha olhou-me com desprezo e deixou-se ficar. Devia estar mesmo a saber-lhe bem o solzinho que entrava pela janela... A vassoura surgiu-me, logo, como primeiro recurso, mas nem me atrevi a tentar o homícidio da bicha porque a Morte sempre me angustia. Agarrei no telefone e pedi socorro. Vieram ajudar-me, mas nem a vassoura, nem o espeto do fogão, nem a tenaz, nada teve a capacidade de caçar a minha inquilina indesejada. Não sei onde ela se enfiou. Sugeriram-me o rodapé, casa antiga a minha tem-no largo, provavelmente abrigou-se aí. Gastei um frasco inteiro de BioKill, talvez ela fique intoxicada, mas não a vi mais. No entanto, não fiquei tranquila e resolvi, para grandes males grandes remédios, tirar da minha sala um armário cheio de livros debaixo do qual ela poderia estar. Carreguei livros, mudei a arrumação da cozinha para que lá me coubessem os copos do armário eliminado, levei a tarde numa azáfama. A dona lagartixa não voltou a aparecer, é verdade. Mas verdade também é que eu não consigo dormir, só a pensar que ela pode ir ter comigo à cama e, a estas lindas horas, três da madrugada, ainda estou aqui, de pés em cima de uma cadeira, rezando para que a dona bicha não apareça!! Amanhã, ou seja daqui a pouco, tenho de ir trabalhar. Vou estar cansada, provavelmente com uma das minhas terríveis dores de cabeça... E tudo porque, eu tenho a certeza!, em vez de um anjo da guarda protector saíu-me na rifa da vida um diabrete muito cruel e provocador!

domingo, 25 de setembro de 2011

Tu

Sei que estás aí. Sinto-te nas páginas dos livros que releio, percebo-te a espreitar os poemas em que me embrulho quando a noite chega, total e negra, e a televisão fala de coisas  que não me interessam. Sei que me escutas, que me sentes como eu te sinto, que me adivinhas também. Tu és a minha companhia solitária, o meu ouvinte disponível, o meu conselheiro sempre calado. Tu chegas quando a insónio dói demais, quando os medos são terríveis, quando as lágrimas insistem em correr. Tu sabes que tento calar o desespero, que me esforço por compreender o que vejo como aberrações, que me comovem os tons do outono e o cheiro da maresia. Tu sabes, também, que teci a minha existência com afectos e plenitudes.
Talvez devesses ter-me travado, talvez devesses ter-me amarrado à realidade, talvez devesses ter-me mostrado que os sonhos se fazem de desilusões também. Talvez. Mas, sabes, ainda bem que não o fizeste. Ainda bem que ficaste só por perto, ombro constante, sem discursos de conveniência que nada me diriam. Tu conheces-me, tu sabes que converso com as ausências que doem sempre, que gosto de pisar os ouriços para morder as castanhas que têm aquela pele azeda que me faz tossir. Tu sabes que tentar formatar-me, tentar adaptar-me à norma, seria matar-me aos poucos. Tu estás aí, e estás aqui sempre. Obrigada por nunca seres eles.

Vinha Virgem

A vinha virgem já cobre os muros da minha serra. Agora, as minhas caminhadas de fim de tarde ganham novas cores, novos cheiros - é intenso o perfume das tílias -novos sentidos também. A vinha virgem é, por aqui, o bilhete de identidade do Outono. Chega, instala-se, cobre os velhos muros e eu sinto que chegou a minha estação preferida. Gosto dos vermelhos de sangue, dos dourados ricos, dos verdes que anunciam sempre novos possíveis.
Ao fim da tarde, agora com o meu velho casaco de malha, faço-me aos caminhos. Perco-me, exactamente porque preciso de me encontrar, nos percursos de pedras, vinhas, grandes castanheiros e horizontes panorâmicos. Comigo, levo apenas o telemóvel e as mil memórias. Sinto o vento, finalmente fresco, e desejo poder fundir-me nesta terra que tão bem conheço. Desejo ser como o velho muro, cobrir-me de roupagem capaz de esconder os buracos enormes que marcam a minha existência, acreditar que, para além do sangue de sofrer há, sempre, algum verde a anunciar novos possíveis. Nas minhas caminhadas, converso com esse outro eu que mora em mim e que, tantas vezes, me parece um estranho. Converso com Cristo também. Não oiço as respostas que tanto desejo, mas quero crer que Ele me ouve e, talvez, me compreende. A vinha virgem, tão bela e diversa, provoca os meus sentidos. Os meus sentires, também.

sábado, 24 de setembro de 2011

José Régio... e eu!

Foi um convite, mais um desafio. O objectivo era falar sobre José Régio, o Poeta sempre ligado a Portalegre - afinal viveu aqui 40 anos - e o tempo concedido dez minutos. A juntar a isto, informaram-me de que eu não fora a primeira escolha (porque o seria?) mas as escolhas anteriores tinham impedimentos. As escolhas anteriores eram, nada mais nada menos, do que um historiador de Portalegre com vários livros publicados sobre Régio, e uma professora já reformada (detesto o termo aposentada) que por inúmeras vezes falou do Poeta.  O que havia eu de dizer?! Talvez pudesse ter dito, simplesmente, que também estava indisponível, o que até era verdade. Mas não. Decididamente, eu tenho vocação para parva, e lá aceitei.
Tinha três dias para me preparar. Adiantaria dizer que Régio nem sequer é um dos meus escritores de eleição? Creio que não. O importante era responder ao desafio.
Olhei a estante da sala de estar de casa dos meus pais, onde três prateleiras só têm Régio..., e achei que estava metida num grande sarilho.
Foi então que, numa das muitas noites de insónia (tudo tem um lado positivo), tive uma ideia  que achei brilhante: - Fugir à norma, evitar o que toda a gente já disse e sabe, e falar de coisas de ser, de momentos de existir, de vivências comuns de um homem chamado José Maria dos Reis Pereira. Recorri aos amigos, é para isso que eles existem!, e fui descobrindo uma personalidade nova. De noite, na companhia do Oceano Pacífico, lá construí a minha apresentação. Hoje, foi o dia D.
Depois de uma manhã trabalhando com colegas de Estremoz, queridas colegas, cheguei a um Restaurante onde um grupo de gente bem vestida iniciava os aperitivos. Tremi. De repente, parecia-me que não conhecia ninguém! Lá arrumei o computador, e, já mais calma, reparei que, afinal, havia alguns rostos conhecidos. Que alívio! É incrível como o sentimento de pertença a um grupo, a identificação de olhares, pode trazer segurança à vida das gentes.
Não me lembro o que comi ao almoço, apenas sei que o vinho - Altas Quintas - me soube divinamente. Lá falei, disse alguns poemas, e senti que, afinal, Régio tinha algo para me dizer a mim também. Sempre gosto de citar o Cântico Negro, a Toada da minha cidade de Portalegre, mas encontrei muito mais e, quando de lá saí, já nem tinha pena de não ter sido a primeira escolha.
Talvez, quem sabe?, tenha sido a vida a impôr-se e, deste modo algo atabalhoado e aflitivo, me tenha querido despertar para a grandiosidade deste Poeta. Vou reler Régio!

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A Ganga

Nas sextas-feiras há um cheiro diferente no ar. Cheira a fim-de-semana! E como eu gosto do fim-de-semana. Gosto tanto que, ainda que ultimamente esgote os sábados a trabalhar dando formação, nas sextas-feiras começo a respirar de forma diferente. Acordo com mais vontade de rir, de acreditar em possíveis, de sonhar ousadias. Acordo tão mais de bem com o mundo que, nestes dias, ouso vestir calças de ganga, calçar sapatos rasos e adoptar um estilo descontraído que, será?, influencia o meu humor.
Seja por causa das calças de ganga, seja por causa da sexta-feira, hoje apetece-me gozar o fresquinho gostoso deste primeiro dia de Outono, vestindo as cómodas calças de ganga gastas. Vou andar na minha Serra, enfiar as mãos nos bolsos, olhar os castanheiros que amarelecem, pisar os ouriços e trincar as primeiras castanhas com a energia com que gostaria de trincar a vida.

Meninos velhos

Nunca estou satisfeita, reconheço. Cansam-me os alunos irrequietos, a exigir a minha constante atenção, mas entristecem-me os alunos exemplarmente bem comportados.
Eu sei que sempre tenho um fraquinho pelos miúdos que exigem de mim, que querem saber os mil porquês, que discordam, que tentam inventar pretextos, normalmente conversas interessantes, para me fazerem parar o trabalho centrado em contúdos que acham pouco interessantes. Lembro-me, tantas vezes, do Carlos André, do Rui Pedro, do Miguel Rasquinho, do João Louro, da Cátia, do Manuel, da Filipa, de tantos, tantos alunos que me desafiavam sempre para aprendizagens activas e de facto dinâmicas. Às vezes, admito, desesperavam-me! Então, utilizava a máxima que sempre resulta, ainda que vá contra a lógica e contra as modernas pedagogias: - Calados! Quem manda sou eu! -. Ainda assim, tenho saudades deles. Tenho saudades das pequenas transgressões, das gargalhadas verdadeiras, dos protestos veementes!
Ora, as minhas saudades doem mais ainda quando esbarro com os meninos velhos que encontro, vezes demais, nas salas de aula. Estes meninos velhos só querem saber das notas que obterão no final do ano,  das médias, com, como dizem com uma artificialidade que me desgosta, dos conteúdos do programa. Estes meninos velhos não têm tempo para actividades fora da sala de aula, a prioridade são as explicações, as notas (outra vez). Numa das horriveis aulas de substituição que dei já este ano lectivo, com uma turma de 10º ano, resolvi falar-lhes das grandes mudanças introduzidas pelo acordo ortográfico que agora vigora. Tentei criar situações novas, com algum humor, e um dos miúdos, muito sério, perguntou, não sem antes educadamente pedir a palavra: - Senhora professora, não seria possível avançarmos antes nos conteúdos da disciplina para não perdermos tempo? - Bom... respirei fundo duas vezes. Lá expliquei que as aulas de substituição, pomposamente chamadas OPTE, não servem para avançar nos conteúdos. (Não lhe disse que, no Ensino Secundário, acho que não servem para nada)
Senti que o miúdo não ficou convencido. Em casa, provavelmente, disse aos pais que teve uma aula de brincar...
Deixem, por favor, que as crianças sejam crianças! Deixem que a Escola tenha espaço para as pessoas que moram nos alunos. Por favor, não me roubem a magia de ensinar...

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Fantasia

Tia, conta-me a história da joaninha. Conta a história do cão que mordeu a tua perna. Tia, mostra-me a estrelinha onde os gnomos estão a fazer os presentes para o Menino Jesus me dar no Natal. Tia, conta como faz o Peter Pan para voar. Tia, faz magia de perlimpimpim como  a fada Sininho. - É a Francisca. Tem olhos grandes, cabelos cheios de caracóis e uma forma de dizer "só mais um bocadinho, por favor!" irresistível. A Francisca traz sempre cor à minha rotina. É o laço vermelho no cabelo negro, é a ternura, é a curiosidade ingénua que me fascinam e me devolvem a esperança muitas vezes perdida. A Francisca é um pouco a saudade concretizada, também. A saudade que tenho do Manuel Bernardo, de caracóis loiros e vontade firme, a saudade do meu neto que vejo crescer lá longe, enganando a distância com a proximidade virtual do Skype. Acredito na magia, sim. Como as crianças, também eu acredito que, se prestar bem atenção e ficar muito quietinha, vou poder ver passar os gnomos de uma estrelinha para outra, vou sentir as asinhas da fada Sininho e, se fechar os olhos com muita força, sou mesmo capaz de ouvir os segredos que as formigas contam às lagartixas. Infelizmente, a vida não alinha na minha fé na magia e insiste, com frequência excessiva, em fazer-me cair abruptamente na realidade...
A Maria Francisca e o Manel Bernardo são, agora, as minhas crianças mais próximas, são momentos de açucar que engordam a minha alma tão esquelética de carinho.
Fernando Pessoa garantia que "o melhor do Mundo são as crianças", e eu concordo sem hesitação. Agora, quando a noite lá fora se faz de silêncio pesado, quando A Cidade de Ulisses já me cansa na leitura, vêm os abraços tenros, os pedidos de histórias, o olhar entusiasmado do Manel vendo os peixinhos, os olhos arregalados da Francisca espreitando os gnomos...
Olho o céu negro onde brilham pontinhos e faço um pedido: - Que nunca a vida roube às minhas crianças o poder de Acreditar na fadas e gnomos da ternura!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

PLEASURES

Não sei há quantos anos o meu perfume é o Pleasures, de Estée Lauder. Sei que sempre tive a mania dos cheiros, ainda hoje sinto o cheiro dos livros novos que aspirava com prazer quase inebriante, ainda hoje conservo o cheiro do pó de arroz da minha avó Leonor, ainda não me esqueci do cheiro das madrugadas da caça, quando o meu Pai e o meu irmão saíam muito cedo e, na véspera, deixavam as armas e os sacos dos cartuchos, às vezes as cartucheiras carregadas, no hall de entrada. AH! E como lembro, com que saudade!, o cheiro morno das minhas filhas bebés, o cheiro do lauroderme, da Mustela, das roupas lavadas à mão com sabão azul. Sim, os cheiros marcam-me e trazem-me ausências sempre muito presentes.
No entanto, não sou capaz de precisar a data em que comecei a usar o meu Pleasures! Sei que foi há muitos anos porque ainda oiço as minhas crianças, bem pequeninas, a enrolarem-se na dobra do lençol afirmando é tão bom mãe, cheira a ti! Também as recordo, já mais crescidas, protestando quando queriam usar uma peça de roupa minha - oh mãe, tudo cheira a ti! Brincando, dizia-lhes ser bom saber que eu cheirava a Pleasures, fazendo um trocadilho gostoso com a palavra estrangeira. Hoje, vi que o meu frasco de Pleasures está a chegar ao fim. Habitualmente, compro-o nos aeroportos, aproveitando alguma redução de preço, e escolho sempre o frasco grande. Mas, fosse por causa da crise maldita, fosse porque há algum tempo não viajo, deixei que se acabasse o Pleasures. Bom, que se acabasse quase... Porque ainda tenho um restinho e vou comprar outro bem depressa! Talvez devesse mudar de marca, diz-me a Razão, procurar um perfume mais barato, quem sabe limitar-me à água e sabão. Talvez devesse comprar apenas a eau de puig (ainda barata na vizinha Espanha), seguindo a contenção colectiva. Mas vou ceder aos meus desejos, aos meus gostos, aos meus pequenos prazeres (ainda) possíveis e vou mesmo comprar Pleasures, fazendo ouvidos de mercador à sensatez. 
Ora bolas, se a vida já fede feita de Disgust, ao menos que me seja permitido que o cheiro escolhido seja Pleasures!!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

AI...O AMOR

Quando peço aos meus alunos que definam Amor, o que faço muitas vezes no âmbito da educação sexual, eles ficam aflitos. "Definir amor, setôra?! Isso é impossível." Aos poucos, perante a minha insistência, vão enunciando comportamentos que, na opinião deles demonstram Amor: - Amor é acreditar nela/e; Amor é lembrar-se das coisas importantes para o/a outro/a; Amor é perdoar sempre (e gera-se a confusão: - Perdoar TUDO? Discutem...) Amor é gostar de estar juntos; Amor é fazer o que ele/a quer; Amor não se explica! - Eu vou-os deixando falar, registando as opiniões para, depois, os fazer posicionarem-se face às mesmas. Invariavelmente, concluímos coisas tão óbvias como: - Não há uma única definição de Amor; o Amor pode ser só um; Amor é mais duradouro do que a paixão. Eu calo a minha própria vivência do Amor (o que vale ela?), e fico a vê-los olharem-se por dentro. Também ainda o faço, com frequência...
A Rita Lee, numa canção muito conhecida, e que eu gosto muito de ouvir, garante que o amor é Bossa Nova, que é prosa, que é um livro, que nos torna patéticos, que é cristão, que é latifúndio e que é divino. Talvez ela tenha razão, talvez o Amor seja tudo isto mas, acho eu, não é só isto! Amor é cumplicidade, é entrega e é, tem de ser, confiança total. Quem ama, acho eu, mima, protege, cuida e acredita. Para mim, o Amor é um sentimento que dá mais do que exige, que impõe regras de total entrega. Não acredito que, obrigatoriamente, o Amor seja eterno, mas acredito que, enquanto existe, tem a força da eternidade.
Florbela Espanca garantia que o Amor é uma Primavera em cada vida, mas eu quero acreditar que é mais do que isso (talvez porque sou alérgica à Primavera e adoro o Outono). Acredito que o Amor é a única razão para se viver mas, ao mesmo tempo, é um sentimento exigente, antitético como o definiu Camões, avassalador e violento.
Sophia de Mello Breyner escreveu "metade da minha alma é maresia" e eu, se fosse poetisa, diria que três quartos da minha alma são fibras de sentir. O outro quarto é rosmaninho e alecrim da Serra de São Mamede.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Arrumações

Incomodada pela necessidade (?) de arrumar gavetas e papéis, fui ao dicionário procurar uma razão, científica, para realizar a tarefa que odeio. Vi que arrumar significa, apenas, pôr em ordem. Ora, a ordem é uma coisa/ideia muito subjectiva. O que é, por exemplo, a ordem social? Qual é a ordem da vida? Porque é que meter na ordem há-de ser, tantas vezes, fazer o que alguém manda e que não interessa ao próprio? Consciente de ter desculpa para considerar ordem a desordem das minhas gavetas, estive tentada a enfiar outra vez tudo lá para dentro, misturando Verão e Inverno, em t-shirts e camisolas. Mas já então tinha montado uma feira em cima da minha cama e a roupa, feliz por se ver em liberdade, aproveitou para inchar, recusando-se a caber ao monte na gaveta de onde saira. Refilando, lá fui dobrando, eliminando, selecionando, e arrumando a gaveta. Escolhi a ordem colorida primeiro, mas cedo descobri que não era funcional porque tenho quase sempre as mesmas cores. Então, optei pela frequência de utilização e concluí, no final, que há muita coisa que nunca uso e que continuará no fundo da gaveta até que, um dia, termine na secção dos eliminados. Dei então comigo a pensar no que faria se me dispusesse a arrumar sentires e pensares. Com paciência, enquanto dobrava peças de roupa, fui separando os pensamentos frequente e úteis, dos raros e dos inúteis. Arrumei-os por frequência e concluí, bem chateada, que são muito mais os frequentes e inúteis, do que os raros e úteis! Vivemos, ou se calhar só eu que vivo, num mundo de obrigatoriedades, de imposições, de comportamentos e atitudes tão sujeitos a avaliação, que nos esquecemos, ou talvez apenas eu me esqueça, dos pensamentos/sonhos/memórias de coisas boas. Desisti de arrumar as gavetas, fiquei-me pelas duas primeiras, e fui arrumar pensares. No fundo da memória, lá onde só com esforço chego, empilhei os pensares de doer. Os que se fazem de mágoas, de incompreensões e desilusões. Por cima, deixei as memórias da infância, às vezes boas de recuperar e rever. A seguir, ficaram as ousadias, os possíveis, as muitas coisas boas da minha vida longa. A terminar, bem à mão de semear, deixei a capacidade de sonhar, a Fé em dias melhores, a convicção de partilhas, a utopia constante. Ao lado, arrumei os meus poetas de sempre. Sem eles não sei existir. Agora, resta-me desejar que tudo se mantenha na ordem certa e que, ao contrário da gaveta da roupa, não volte tudo num instante à desordem e desalinho!

domingo, 18 de setembro de 2011

O Velho Convento

O velho Convento de Santo António situa-se a meio da Serra,agora quase no fim de uma cidade que insiste em crescer para o lado errado. O velho Convento, que oferece uma vista soberba, já albergou frades, já foi Colégio de muito boas memórias e, hoje, acolhe, quase com vergonha, espelhando um abandono que revolta, alguns doentes mentais. O Convento de Santo António nunca mereceu um olhar interessado dos governantes locais e lá ficou, esquecido, humilde no seu canto, espreitando por detrás das grandes árvores que, com ternura cúmplice, o vão envolvendo.
Se um dia me sair o euromilhões, juro que vou comprar o velho Convento e fazer dali uma escola de Liberdade e referência. Uma escola com lugar para as pessoas, onde não se meçam competências cívicas e pessoais com pesos de 10% (nem com peso nenhum), onde a educação sexual seja uma educação para uma sexualidade humanizada, onde haja espaço para a Arte e se valorizem as expressões.
Vejo o velho Convento todos os dias, nas minhas caminhadas, e, hoje, apetecia-me sentar-me ali, a olhá-lo, pedindo-lhe desculpa da desatenção de um colectivo que integro.
Só quero que me saia o Euromilhões!

A Caminhada

Atrás da saúde, seguindo a moda, tentando a descontração tão-tão necessária, calça sapatos rasos, enfia o velho vestido de algodão e faz-se à estrada. É um percurso difícil, feito de descidas e subidas, o que percorre a cada fim de tarde. Leva nos bolsos largos o telemóvel, os óculos, a mola para prender os cabelos compridos quando o calor aperta, e uma maçã de bravo de esmolfe. Leva também os pensamentos (não consegue que a larguem...) algumas preocupações, muitas memórias e imensos sonhos.
Agora, porque a noite chega mais cedo, pode ver a noite chegar à sua cidade. Gosta das luzinhas amarelas, do velho castelo recortado contra o céu, das estrelas que começam a polvilhar o seu percurso. Trinca a maçã, limpa as mãos ao vestido e chega a casa com dores nas pernas.
O duche devolve-lhe a frescura e, com tempo e cuidado, espalha o creme no corpo que vê envelhecer. Depois, é a hora do telejornal. Vêm as notícias terríveis, os aumentos, as crises sem solução... Ela fecha os olhos e vê-o chegar de mansinho. Estica-se no sofá e pousa a cabeça no colo que deseja. O afago chega feito ternura, o mimo acontece enfim, ela sente-se Mulher. Fala-lhe do quotidiano, que ele conhece, ouve-lhe a rotina e partilham os possíveis. Já não são ele e ela, são eles os dois apenas.
Aos poucos, o corpo cede às carícias, os laços estreitam-se e as notícias deixaram de ter importância. Agora, os dois deitam-se num só dormir. Porque amanhã, com certeza, será outro dia.

sábado, 17 de setembro de 2011

Desacertos

Calor excessivo, incómodo, doentio. É o mundo na loucura total, com 35º em Setembro.
Não gosto de calor, não gosto de Verão e adoro o Outono que não chega. Normalmente, quando a vida faz sentido, nesta época do ano começam a vestir-se de vermelhos e amarelos os castanheiros da minha serra, fazem-se as vindimas, o meu quintal cobre-se de folhas e as nozes caem da grande nogueira. Este ano, as uvas ficam passas por colher, as nozes caem de cansaço apenas, o vento fresco não sopra e eu ainda vou à piscina. Não gosto deste desacerto que apenas acerta com outros desacertos incómodos.
Não me apetece fazer a habitual marmelada, não tenho coragem para as arrumações, e a vontade de voltar ao trabalho também é pouca... O que me apetece mesmo, já que é o desacerto que impera, é ir para junto do mar, ter uma enorme janela e adormecer ouvindo as ondas. Apetece-me acreditar na magia, concretizar utopias e desmontar impossíveis. Enquanto o Outono não vem, apetece-me deixar que seja Verão na minha existência onde, tantas vezes, sinto que o Inverno se instalou.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O POÇO

Era uma plataforma dura, e estava escuro. Muito escuro. Ela estava sozinha, enroscada na solidão, desfiando ausências de dor. De repente, o chão cedia e ela voltava a cair. Era um rebolão forte, doloroso, e o poço fazia-se mais fundo ainda. Quando parou a descida, olhando para cima, viu brilhar ao longe uma luz inacessível. Nunca ía sair do poço! Enroscou-se em si-mesma, era o que  lhe restava, e viu extinguir-se, aos poucos, a luzinha dourada.
Quando o despertador tocou, estridente, teve dificuldade em situar-se. Tinha sido um pesadelo horrível e, tinha certeza, o resto do dia carregaria em si aquela escuridão solitária que tanto doía.
Há pesadelos demasiadamente reais. Que diria Freud?

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Retorno

Os miúdos voltaram a encher a escola, e a minha profissão voltou a fazer sentido. É bom ver como cresceram, reencontrá-los já com vontade de aprender, mas presos à necessidade (maldita sociedade) de afirmarem desinteresse e vontade de mais férias... Os miúdos de 12º, quase a partirem, estão ainda crentes em bons resultados, sonham com futuros risonhos, e eu tenho muita vontade de os deixar sonhar, de partilhar o entusiasmo deles, de acreditar (e acredito mesmo!) que é possível sermos felizes e ganharmos o amanhã que, só por acaso, começa hoje.
Estes miúdos estão na idade dos sonhos, da confiança, das descobertas, dos possíveis. Deixo-me levar por eles, esqueço as minhas angústias e medos, apetece-me conservar-lhes os sorrisos e dizer-lhes que sim, que claro que vão acertar e ter muito sucesso. Falo-lhes do programa, da ida a Mafra, dos desafios que espero que agarrem, e começo a tecer laços. São os meus alunos, os meus meninos por mais um ano. Vi-os chegar no 10º, tão miúdos e desconfiados, vejo-os agora saudarem-me seguros, Olá setôra! Boas férias? Então o neto?.
Também hoje, 1º dia, lembro os que partiram e vêm as saudades. Lembro-me da Catarina (escrevendo com profundidade), agora em Medicina Dentária, da Raquel (envergonhada dos seus êxitos), do Luís (cumpridor e exemplar), do Danilo (filósofo e contestatário), do João Pedro (que me fazia a cabeça em água), da Rita (sempre pronta a tagarelar), do João (com letra segura e exemplar), do Bernardo (sempre a inventar desculpas criativas), da Mariana (atrasada e preguiçosa, com sensibilidade extrema) e de tantos outros, tantos-tantos, que esfregaram os rabos nas cadeiras velhas e que deixaram em mim marcas definitivas.
Mais um ano. E eu a desejar, tanto!, ser capaz de lhes ensinar, a par com a poesia de Fernando Pessoa, os mil sentidos da Vida, a ternura que nos faz humanos, as letras com que se escreve ternura.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Vem por aqui?

(...) Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio, in Cântico Negro
 Releio Régio. O Régio que a minha cidade adoptou, o Régio que, como eu (ousadia minha?) foi professor. Como ele, peço que me deixem em paz! Não me imponham modelos que não quero, não me exigem a satisfação da mediania, não me proponham sonhos de contenção. Sonho o tudo, ou quero o nada. Não quero aceitar o possível,  a saúde de olhar cada dia com a certeza do caixão quando não puder mais abrir os olhos! E oiço outras palavras, a poesia sempre, a Florbela do meu Alentejo, gritando que "O amor é uma Primavera em cada vida/e é preciso vivê-la assim florida/pois se Deus nos deu voz foi para cantar". Quero a minha Primavera, quero ter voz para cantar, quero crer que o sol que se põe todos os dias, ali atrás, na minha Serra de sempre, voltará a iluminar um dia a estrear.
Estou cansada da tristeza, farta da norma triste, esgotada com as castrações constantes, cansada de decisões alheias (superiores?). Apetece-me virar costas à normalidade e, sob a protecção dos meus poetas, assumir a loucura que me faz ainda acreditar que a felicidade existe e que viver não é, não pode ser, uma condenação. Chega de anúncios de desgraça! Deixem a humanidade recuperar o sonho e não me fechem no colete de forças colectivo que é este país a entristecer.
Ninguém me dê piedosas intenções. Não quero ser mais uma, não quero ir por aí...


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Travessias espinhudas

É noite, tarde, e a lua gorda enche o céu. O carro roda com calma, parecendo ter vontade, ele também, de parar o tempo, de prolongar os quilómetros que se fazem de paz. Como se fosse possível fazer uma viagem eterna, sem chegada, sem destino, fuga a uma realidade incómoda. Por cenário, o Alentejo adormecido, a terra gretada, o perfume de um Verão atrasado que incomoda já. Ela carrega um dia longo, cheio de trabalho e desilusões, de fúrias adiadas porque desnecessárias. Abre o vidro e desliga o ar condicionado, gosta do cheiro da terra, da força que a faz sentir-se parte de alguma coisa. Não gosta do cansaço extremo, detesta o calor de Setembro, e aproveita agora os quilómetros, mais de cem, que a separam de casa. No rádio enfia um CD, Rodrigo Leão, e deixa-se levar pelo ritmo que a embala, lhe oferece outras paisagens, que lhe sugere outros possíveis. Quase não há carros a cruzar a estrada, a hora é de recolhimento, e ela repara num ouriço que atravessa o alcatrão negro. Desvia-se. Atropelar o bicho, só mesmo por um grande azar. Repara na bola de espinhos, tonta com os faróis do automóvel, e ri-se sozinha. Também a ela daria jeito, muitas vezes, ter uma carapaça espinhuda, uma proteção eficaz contra as agressões que a vida lhe fazia.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Dia Mundial da Enxaqueca

Hoje é dia para lembrar a dor de cabeça! Dia para lembrar o que, quando se lembra, se quer esquecer. Acho graça a esta aparente contradição e decido, só porque sim, fazer um bolo. Bolo de café e canela, muito caseiro, a lembrar as tardes de inverno sentada à camilha, bebendo chá com as minhas crianças. Já então eu tinha enxaquecas, valia-me o fantástico (e caríssimo) Migraleve, e já então sentia que um doce ajudava a minimizar o incómodo. Hoje, por acaso, não me dói a cabeça. Acho que até as minhas enxaquecas se recusam a obedecer às máximas impostas. Mas apetece-me o bolo que fiz, e que perfumou a minha casa com memórias doces e acaneladas. Se calhar, também existe o Dia Mundial do Bolo de Café e Canela, não sei, mas, se der por ele, juro que nesse dia tomo dois Migraleves e até uma aspirina...

domingo, 11 de setembro de 2011

11 de Setembro

Foi há dez anos, mas podia ter sido ontem, pode ser hoje outra vez. A 11 de Setembro o terrorismo assumiu a sua forma mais violenta e milhares de pessoas, inocentes, cidadãos que nada tinham a ver com o Islão ou sequer com as políticas dos EUA, foram mortas. Lembro-me que, há dez anos, entrei na sala de professores a seguir ao almoço e estava uma colega, a professora de Moral, a olhar para a televisão. Perguntei o que se passava e ela disse-me que parecia um ataque terrorista mas, se calhar, era só uma brincadeira da televisão.
Não foi uma brincadeira, não é uma brincadeira. Desde então, vivemos em constante sobressalto, envoltos em medo, sob ameaça constante, olhando cada estranho com reserva.
Foi isto que fizemos do mundo, foi isto que deixamos que acontecesse à Humanidade. Nós. Todos. Porque, acho eu, todos temos uma quota parte de responsabilidade no germinar do ódio. Este mundo, que não é cão porque os cães são bem mais leais e amigos, tece-se de injustiça e maldade, de medo e guerra. E é neste mundo que nós, todos, vamos vivendo num encolher de ombros colectivo, ou quase. O que podemos fazer? - perguntamos. E respondemos nada. Mas eu creio que é possível fazer alguma coisa, individualmente, para mudar o todo. É possível cultivarmos a amizade, trabalharmos a confiança, construirmos as cumplicidades efectivas, olharmos o outro com verdade, e eliminar, ou pelo menos tentar..., os nossos ódios mais próximos.
Jesus Cristo, um Homem que admiro profundamente, dizia que "não há maior amor do que darmos a vida pelo próximo". Não queria tanto, não sou santa e todos os santos que conheço estão num mundo que desconheço, mas creio que tem de ser possível confiar no Amor e reconstruir a humanidade com base nos Valores do maior Homem que por aqui andou.
Talvez por deficiência/vício profissional, julgo que a Escola pode fazer muito por isso. Tem de ser possível educar na bondade, para o amor, para uma sociedade humanizada.
Hoje, uma década passada sobre o horror do 11 de Setembro, subo ao velho castelo de Marvão, sinto o vento fresco que me despenteia, e percebo como sou insignificante, como a minha existência vale pouco. Tão pouco. Hoje, quero acreditar que é possível lançar, a cada dia, novas sementes de Amor. Das de verdade, das que precisam regadas, desbastadas, limpas de ervas daninhas, todos os dias. Hoje, é um dia a menos na minha vida.

sábado, 10 de setembro de 2011

A Feira das Cebolas

Era todos os anos assim. Mais ou menos assim. Era sempre em Setembro, agora setembro, nos dias 8-9-10 e 11, e havia sempre tourada. Da de verdade, com cavaleiros, forcados, calor, touros, e até cabrestos chamados madrinhas. Havia também de outras touradas, mas essas não tinham direito a cartaz, nem precisavam de cobrar bilhete. Era mesmo assim a Feira das Cebolas. Dantes, no centro da cidade, apareciam as résteas, tranças loiras sem cabeça, que haviam de garantir a presença das cebolas ao longo do ano. Vinham, também, os barros, os plásticos, as frutas, as cuecas a pares, as peúgas às riscas, as barracas de tiro, o algodão doce imaculadamente branco (não havia em cor-de-rosa), as farturas e os carrosseis. Quando eu era miúda, vinham os carrinhos de choque, cinco escudos vinte fichas, os aviões de dois lugares, ideais para namoros proibidos e o carrossel sobe-e-desce com girafas e cavalos. O meu Pai tinha pavor dos aviões da feira (dos outros também) e fazia-nos jurar que não entrariamos neles. Os meus irmãos, não sei como faziam, mas eu jurava de dedos cruzados atrás das costas, e levava a noite - até às 11! (pior que a cinderela), a subir e a descer. Adorava subir, ver as estrelas mais perto, sentir as vertigens da velocidade e o vento fresco do início de Setembro. O medo, mais dramatizado que real, era pretexto para fechar os olhos e rir livremente. Também gostava dos carrinhos de choque, - uma voltinha - uma voltarela, para a menina da saia amarela - , da perícia necessária para escapar aos amigos que adoravam chocar de frente. Quando chegava a Feira das Cebolas, vinham sempre amigos dos meus pais, a casa ficava cheia de gente e eu inchava de orgulho por TUDO acontecer na minha cidade.
Agora, a Feira das Cebolas é num terreno próprio, fechada entre grades, com parques de estacionamento insuficientes, sem carrinhos de choque nem aviões, sem farturas nem frangos assados. Agora, já não vou à Feira das Cebolas, já não compro tranças loiras, já não subo nos aviões, já não juro com dedos cruzados, já não vou à tourada sequer. Agora, com tanta normalização, regra, proibição, imposição, sinto uma desolação tal que, juro sem cruzar os dedos, as lágrimas são mais do que as que me provocam as cebolas que descasco...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Poetando

Mia Couto, o escritor dos neologismos e das palavras com gosto, fala-nos de poetar. Não sou grande leitora de Mia Couto, exige-me uma atenção que nem sempre tenho..., mas gosto de algumas crónicas e, confesso, algumas palavras colam-se-me à pele para sempre. Poetar é uma delas!
Poetar é um verbo novo, que me incomoda bem menos do que o criminoso acordo ortográfico, e que, às vezes, me faz cheirar o frio da palavra solidão, ou aquecer o coração no calor vermelho da paixão. Poetar é existir com sentido, com sentires, com quenturas de mil fés barradas de chocolate. Compro um chocolate, de preferência negro e barato, e fico saboreando o seu desaparecimento lento, molhado, para lamber os dedos e terminar, sempre, com a alma mais confortada. Sei que parece gula simples, mas dá-me jeito pensar que estive poetando...

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Imensidão

É imenso o meu Alentejo. Imenso o amarelo, a força da terra, a dor da solidão, a sabedoria, a nostalgia, a tristeza às vezes. É imenso o meu respeito, necessidade?, desta terra que, tantas vezes, sangra dentro de mim. É imenso o sonho que me faz seguir acreditando, querendo sempre olhar cada nascer e cada adormecer do dia. Há muitas coisas imensas, que literal e realmente se não podem medir, mas que fazem falta na vida das gentes. Na minha, pelo menos.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Desacertos

Tenho a sensação que quantos mais anos passam, menos compreendo a lógica, e juro que quero crer que ela existe, de muitas das medidas das Escolas. Acredito, um acreditar que tem alicerces teóricos e práticos, que a avaliação é uma das dimensões fundamentais da vida das Escolas, e dos alunos, e deve, por isso mesmo, ser rigorosa e objectiva.
No entanto, penso que a avaliação não pode ser, não deve ser, apenas punitiva (vejo-a como reguladora de um processo, facilitadora de mudança) mas, infelizmente, parece que nas Escolas, com a busca frenética da objectividade, só classificar importa. Avaliar um aluno parece ser, agora,  medi-lo, pesá-lo e catalogá-lo. Discutem-se, em exaustivas reuniões de preparação do ano lectivo, pesos por período, pesos de testes, pesos de trabalhos e sei lá mais o quê. Parte-se do princípio, para mim absurdo, que todos os alunos são iguais, que partiram todos do mesmo patamar. Diz-se que o 1º período vale 35%, o 2º 30%, o 3º 35% e garante-se que isto é avaliação contínua. Faz-se uma fórmula, ou um algoritmo (lindo...) e lançam-se números. O João, aquele miúdo de caracóis e fita que declama Pessoa e recusa ler Sttau Monteiro, passa a ser o resultado de = 1ºP x 0,35+ 2ºP x 0,3 + 3º P x 0,35. O Renato, aquele que, apesar do seu metro e noventa, cora até às orelhas quando tem de dar uma opinião em público, é, também, o resultado de = 1ºP x 0,35+ 2ºP x 0,3 + 3º P x 0,35. E até a Ana, com as unhas de florinhas e resposta pronta, fica reduzida ao mágico algoritmo/forma:  1ºP x 0,35+ 2ºP x 0,3 + 3º P x 0,35. A objectividade e o rigor ficam garantidos, asseguram-me. Dizem-me, ainda, que em cada período todos farão dois testes, uma apresentação oral e, que sorte!, ainda ficarão 10% para o "Saber Ser", um nome sonoro para avaliar as atitudes e os valores...
Estarei louca? Terei estupificado de vez? Onde fica a valorização da progressão? Onde fica a individualização do processo de ensino e aprendizagem? E para que são 10%, ou 20%, para "atitudes e valores"? Que atitudes, e que valores? Os meus? Os do meu colega? Os do guarda nocturno? Os de casa do aluno? E será que, numa sociedade humana, atitudes e valores só valem 10%? É a única coisa com que concordo: - Atitudes e valores andam mesmo muito pouco valorizados, objectiva e subjectivamente, nos dias que correm.
Esta noite, com uma insónia incómoda, agradeço já não ter filhos na Escola  e desejo, convictamente, que os meus netos possam crescer longe deste Portugal .

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Mau Humor

Cedo, bem cedo, e a cidade a acordar. Hora de sombras, de reflexos, de brilhos, de luz difusa. Para ela, a oportunidade de viver a cidade limpa de gente, livre dos ruídos da civilização, perto mais da Poesia que a fazia gostar de sentar-se ali e, indiferente ao vento de fim de Verão, saborear uma bica mal tirada - A senhora veio cedo demais, a máquina ainda não aqueceu! Não fazia mal, preferia o café assim, sem força e morno, do que a espera pelo aquecimento da máquina. Esperas não queria mais. Estava farta de esperar, de adiar, de ter calma, de compreender, de crer em futuros eternos. Preferia o café morno, como preferia a vida possível à espera dolorosa pela perfeição impossível. Estava diferente, sentia. Onde ficara a sonhadora sempre confiante? Onde perdera o outro eu que lhe fazia tanta falta? E ria-se ao lembrar a reportagem da Visão, garantindo que era depois dos 50 que as pessoas atingiam o desenvolvimento ideal, que encaravam a vida desfrutando dela plenamente. Balelas! Deviam vir na senda da incrível adolescentização (se há acordo ortográfico, até ela podia inventar palavras. Chamar-lhes-ia neologismos...) que fazia com que adultos de 20 anos fossem vistos como jovens imberbes. E idiotas, às vezes.
Os 50 anos traziam, apenas, rugas, cansaço, dores nas articulações e, talvez, a capacidade de se poder fazer escolhas, e tomar decisões, ignorando as opiniões alheias. Trazia a capacidade de se olhar-o-hoje desligado do ontem, porque o amanhã poderá ser inexistente.
Aqueceu as mãos na chávena Delta, o poder do Sr. Nabeiro, e pediu ao vento que levasse para longe os seus pensamentos incómodos, cruelmente reais. Olhou Lisboa. Nascera ali, naquela cidade linda, mas não era dali. Não se é de onde se nasce, mas de onde se aprende a ser. E ela era de longe. Do espaço sem fim, dos tons amarelos, da zona das águias, dos falares arrastados e dos olhares escuros. Levantou-se, porque chegavam os primeiros turistas, uma camioneta carregadinha de insuportáveis japoneses, e fugiu para o Tejo conseguindo, quase milagre, escapar aos frenéticos disparos das máquinas Nikon de grandes canhões. Estava de mau humor. Mas num país com tantas proibições, o mau humor ainda estava livre de impostos.

domingo, 4 de setembro de 2011

Crescendo



Sejam de penas, escamas, pelo ou carecas, o Manel Bernardo adora animais. Olha-os com atenção e, na sua linguagem incipiente e expressiva, vai dando conta das suas descobertas. É assim que se cresce, apropriando-nos de novas realidades e confrontando-as com saberes adquiridos. O Manel Bernardo olhou a baleia-anã, lembrou-se dos peixinhos vermelhos do seu aquário, e achou que não podiam ser da mesma família. Assim, baptizou a baleia de peixe-grande e trouxe-a, transformada em boneco de borracha, para a apresentar aos peixinhos vermelhos. Depois, já no Oceanário de Lisboa, venceu, aos poucos, o medo daqueles milhares de peixe que nadavam ali perto, tão perto que ele podia ver-lhes os dentes, apontar os feitios esquisitos e assustar-se com o tamanho de alguns. Não achou graça nenhuma às lontras, nem sequer aos pinguins, mas não descolava o olhar curioso do vidro do grande aquário. Quando, olhando o polvo gigante, me ouviu dizer que daria um belo arroz, indignou-se. É bom ver o Manel Bernardo a crescer, descobrindo o mundo, vivenciando novas realidades. Eu, que concordo inteiramente com a minha amiga Maria João - Quando se é professor, é-se para sempre professor -, fiquei com vontade de ver o velho Aquário Vasco da Gama, impecavelmente cuidado, com funcionários de extrema simpatia e profissionalismo, cheio de miúdos a crescer. Fez-me alguma confusão, alguma..., encontrar o Oceanário cheio e o Aquário vazio. Às vezes, talvez consequência desta vida apressada e mediatizada que vivemos, vamos atrás da modernidade e desvalorizamos aquilo que, ainda que menos moderno, tem grande valor. Como professora, sou uma convicta defensora das visitas de estudo. Sempre, mas SEMPRE, os miúdos, seja em que idade for, saem enriquecidos destas actividades. O ano passado, quando fui com um grupo de 24 alunos a Estrasburgo, houve uma aluna, 17 anos, que me disse: - Aprendi mais aqui num dia do que numa semana de aulas!. Eu não quero exagerar assim tanto mas, sem dúvida, nestas saídas aprende-se sempre muito. Gostava que os meus colegas de ensino básico, sobretudo 1º e 2º ciclos, não se esquecessem do Aquário Vasco da Gama. Merece uma visita! O meu Manel Bernardo foi apresentado ao Sr. Vasco da Gama (sim, nada de confianças com estes Senhores da História) e até o achou simpático... 

Azedo

Eu tenho uma relação complicada com os cheiros. O meu neto segue-me e, antes de provar seja o que for, cheira primeiro, o que daqui a uns anos lhe vai custar alguns raspanetes, mas, agora, tem graça. Gosto de entrar em casa e sentir o cheiro familiar, de distinguir o perfume masculino, de identificar aquele after-shave, do perfume da terra molhada, da brisa do Tejo, do odor forte do mar, do cheiro quente a Mustela de bebé, de orégãos verdadeiros, entre outros. E detesto muitos cheiros, também, claro.
O cheiro a azedo, por exemplo, é terrível. Entranha-se no frigorífico, faz enrugar o nariz, amarga na garganta, resiste aos melhores detergentes quando em caixas plásticas, lembra sempre o estrago do tempo. O pior é que também as palavras, e factos da vida, podem cheirar a azedo e, nesse caso, sinto-me transformada em caixa plástica, o cheiro entranha-se no meu pensar, no meu sentir, na minha memória e chateia que se farta. Dizem que o cheiro a azedo se elimina com vinagre mas, aprendi com a experiência, a eficácia desta mezinha é reduzida. Haverá uma mezinha, de preferência mais eficaz, para eliminar os azedos do quotidiano? Gostava de saber! Gostava mesmo.

sábado, 3 de setembro de 2011

Desesperança

Aproxima-se o regresso à rotina. As aulas estão quase a recomeçar, as crianças andam nervosas e eu sinto a alma a encolher-se. Este ano, o meu regresso à Escola, sempre cheio de sonhos e expectativas, anuncia-se assustador. Vem aí a obrigatoredade do acordo ortográfico! O meu país obriga-me a maltratar a minha língua em nome de politiquices sem sentido, obriga-me a assassinar a língua dos meus poetas, força-me a ensinar aos jovens, que ainda podem acreditar na qualidade, que a mediocridade é que vence...
Sinto-me violentada. Apesar de tudo, ainda tinha uma esperança de ver revogada esta aberração. Começo a perder esperanças demais. Custa tanto ver estilhaçar-se a esperança, desfazerem-se os sonhos, esfrangalharem-se as confianças...

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A Morte

Há uns anos li a obra Bilhete de Identidade, de Maria Filomena Mónica. Lembro-me que achei o livro um pouco excessivo, provocatório até, e que me surpreendi com a coragem de referir nomes muito conhecidos da vida política e, nem sempre, de forma simpática. Gostei da escrita, fluida e escorreita, directa e correcta. Não me chocou que falasse de si mesma, acho isso natural e acredito na justificação que ela dá: "(...) começo pela minha experiência, esperando conseguir elevar-me, com base nela, a uma perspectiva geral". Assim, mal ouvi o Professor Marcelo (que me irrita intensamente!) falar na obra A Morte, comecei a procurá-la. Finalmente, consegui encontrá-la e li-a de um sopro.
Ao contrário da autora, desde muito cedo que a morte me faz pensar. Em miúda, lembro-me de olhar o céu e de pensar como seria possível viver lá toda a gente, fazendo-me confusão aspectos tão banais como a lavagem da roupa ou a alimentação. Pensava no Inferno, e tinha medo do fogo, do diabo, e do calor que sempre detestei. Talvez por uma catequese mal feita, ou por alguns excessos da religião católica, imaginava Deus como um indivíduo de humores, disposto a apontar o dedo a cada um de nós e, especialmente, a mim... Mas hoje, passada a barreira dos 50, olho a morte de outro modo. Olho Deus de outro modo, também. Às vezes, acho que a Morte deve ser libertadora, outras vezes temo-a. Mas, mais do que a Morte, temo, sobretudo, o envelhecimento e a perda das minhas faculdades mentais. Temo a solidão e o abandono, também.
Como Maria Filomena Mónica, apesar de eu ser católica e ela ateia, acho que deviamos poder decidir sobre a hora da nossa morte em caso de doença incurável, de demência ou de outra qualquer limitação à nossa condição humana. Chamem-lhe eutanásia, suicídio consentido, morte assistida, não me interessa. Mas permitam-nos, enquanto estamos lúcidos, deixar escrita e legalizada a nossa opção de morte.
Na minha cidade, no meu Alentejo amado, o suicídio é muito frequente e se, muitas vezes, o vejo como uma cobardia, muitas outras encaro-o como um acto de grande coragem. Não sei se um dia terei essa coragem, mas espero que no meu país, como em muitos outros, o poder político decida, sem referendos nem falsas morais, conceder-nos o direito à Morte digna. Agora, ouvindo os silêncios da grande cidade sempre estranha, penso no fim, no silêncio total, na paz eterna.Tantas vezes desejo a paz.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Só Ida

Traz a mala grande da cave. A enorme, aquela que raramente usamos e que sempre implica taxa de sobrecarga nos aeroportos. Agora, vamos enchê-la apenas com o essencial: - As fotografias das crianças, as memórias dos bons momentos, a roupa que cheira a felicidade, os números de telefone dos amigos de verdade, o passaporte para o sonho e a alma livre.  Faz em mil pedaços as opiniões alheias, rasga de alto abaixo os olhares de crítica, deita na reciclagem os ódios de estimação. Vamos trancar a mala e partir. Leva-me para um mundo inexistente, para o paraíso da Poesia, para o lugar onde não há palavras agudas, nem policias ou ladrões, nem rotinas ou conveniências. Vamos abandonar o possível e, a dois, libertar os sonhos que a sociedade prendeu. Vamos para um mundo onde as cores tenham viço, as flores cheiro, os morangos sumo e as palavras sentido. Vamos descobrir os afectos, ousar as carícias, inventar a ternura e a cmpreensão. Vamos só os dois, sim? Prometo nem levar o telemóvel. Podemos partir já, ao abrigo da noite escura, refrescados pela chuvinha cansada que continua a cair.