terça-feira, 30 de novembro de 2010

PESSOA

Morreu sem elogios de monta. Meia dúzia de linhas nos jornais anunciaram que Fernando António Nogueira Pessoa tinha, no dia 30 de Novembro de 1935, ido a enterrar. Apenas. Como se quisesse vingar-se do desprezo da vida, Pessoa permaneceu vivo para além da morte e, ainda hoje, gera polémica, ódios e amores. Há quem o ache absurdo; há quem o considere extraordinário e singular. Eu incluo-me no segundo grupo! Admiro a obra de Pessoa e leio-o sempre com prazer. Fascina-me a questão da heteronímia, sou adepta do Sensacionismo de Caeiro e, vezes demais..., partilho o Intimismo de Campos. A Mensagem faz-me vir as lágrimas aos olhos e poemas como Gato que brincas na rua, ou Autopsicografia, ou ainda Mar Português oferecem-me novos desafios a cada leitura.
Fernando Pessoa, um dia, visitou Portalegre, a minha cidade tão amada, e teceu-lhe críticas pouco abonatórias. Porque o admiro, até isso lhe perdoo!!
Hoje, no dia do aniversário da sua morte, peço-lhe que, esteja lá onde estiver, ajude os meus alunos a apaixonarem-se pela Poesia. Por essa Poesia que, como diz Caeiro, está aí, na vida das gentes...

sábado, 27 de novembro de 2010

Farófias?

Pareciam farófias. Doces, fofas, brancas, em castelo firme. Lembravam-lhe, a ela, de nariz colado à janelinha do avião, sonhos prontos a consumir. Sonhos de coisas boas, doces e brancas, como as farófias, sem amargos de qualquer espécie.
Apetecia-lhe mergulhar naquela fofura, mesmo sabendo que seria um trambolhão definitivo, com a mesma força com que gostava de se lançar na conquista dos sonhos.

sábado, 20 de novembro de 2010

Ofensa

Ele não gostava das rosetas. Tinham-no posto ali, um pouco abusivamente achava, numa data de tempo recente, com discursos e palmas que não entendera. Deixara-se ficar. Com pés de pedra, colado ao chão, eram poucas as hipótese de, dignamente, pegar no acordeão e ir tocar música para outro lado. Ali ficara, por isso. Fazia-se vaidoso se turistas o fotografavam, tornava-se cúmplice se os namorados ali trocavam beijos e ousavam carícias, chegava até, tarde nas noites, a apoiar aqueles que, bem bebidos, oscilavam qual navios em mar revolto a caminho de casa. A tudo assistia sem reclamar, rindo-se na imobilidade da pedra, troçando também, chorando as lágrimas secas que não gastavam a pedra. Mas, desta vez, a ofensa fora demais. Um bando de miúdos idiotas, mal-educados, insolentes, pintara-lhe rosetas nas faces e, como se a humilhação não fosse suficiente, ainda lhe tinham colocado um baton vermelho, foleiro e vulgar, nos lábios masculinos. Desesperara! Não seria suficiente o mal que os homens faziam a si mesmos? Ainda era preciso humilharem os marcos de Tempos, as figuras de histórias? Ah! que raiva! Se pudesse, com que energia lhes teria aplicado um pontapé de pedra nos rabos moles!!!


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A Cimeira

Com o país na miséria, com o mundo em colapso ético, está aí a cimeira da NATO. As televisões, será de propósito?, dão mais atenção ao caos instalado em Lisboa, às alterações ao trânsito, do que aos assuntos a abordar na cimeira que, insistem, decorrerá "sob os mais elevados níveis de segurança". A NATO surgiu para defender a Europa democrática da ditadura da ex-URSS. Pretendia ser, pelo menos aprendi assim, uma forma de unir esforços para manter a paz e, talvez seguindo a velha máxima "Se queres a Paz, prepara a Guerra", constituia-se como um organismo de defesa. Agora, parece, a NATO reúne os decisores das guerras. Reúne aqueles que, eleitos pelo cidadão comum (a palavra povo está oca de sentido) se afastam desse mesmo cidadão com correntes de segurança, armas e ruas vazias. De facto, esta cimeira é estranha. Parece não fazer nenhum sentido, não justificar os gastos exagerados, mas, simultaneamente, o que seria desta velha Europa se se acabassem as organizações de defesa? Hoje, felizmente!, não estou em Lisboa!!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Um cigarro

Saíu da aula com os cigarros na mão, na ânsia de fumar, com medo da escassez do intervalo, pendurando o cigarro nos lábios enquanto descia as escadas. Lá fora, a chuva. Lá dentro, a humidade no chão, os muitos colegas a empurrarem, os vidros embaciados, os professores tentando não serem abalroados. Pensava no teste que acabara de fazer, Álvaro de Campos e o intimismo, e sentia-se irmanada na angústia existencial traduzida no poema.
Verificou se os cigarros dariam até ao fim do dia, enquanto, batendo os pés para afastar o frio, se encostava a um auomóvel, na rua já, para gozar o intervalo. Não percebia a lógica, se é que existia, de ter de sair da escola, de se molhar, de apanhar frio, para fumar um cigarro. Mas, de verdade, não percebia muitas das lógicas, a maioria institucionais, que se lhe impunham no quotidiano.
Ouviu a campainha, tinha de voltar. Tinha acabado de acender o segundo cigarro que, furiosamente, fumou antes do toque de feriado. Voltou para dentro, rindo, ao reparar, na entrada da Escola, no grande cartaz anunciador do Dia Mundial contra o Tabaco. De facto, a vida das parangonas nada, ou muito pouco, lhe dizia. Talvez fosse dos 17 anos, como o pai costumava dizer.

domingo, 14 de novembro de 2010

O mistério das coisas...

Chegou a casa cansada, esgotada, oca também. Sempre a confundia, dolorosamente, a sensação de vazio que experimentava quando, depois de muito trabalho, lhe surgia a incómoda pergunta "para quê". Muitas vezes, nas viagens constantes, sozinha, acompanhada pela eterna RFM, pensava que a modernidade tinha o condão de desumanizar existências. Tudo se resumia ao dinheiro, à necessidade de o ganhar, à urgência de o reter. Era a crise, talvez.
Mas, mais do que a crise económica, doía-lhe a crise de valores, o vazio que fazia a existência. Era um mistério, para ela, a condição humana. Ou, se calhar, o maior mistério das coisas era, como dizia Caeiro, as coisas não terem mistério nenhum... Vivia-se, trabalhava-se e morria-se. Apenas. Com uma existência física, igual à dos bichos, das coisas, das pedras até. Mas ela recusava o real objectivo aparente de Caeiro, o Carpe Diem de Ricardo Reis. Ela queria a poesia da montanha, o ritmo das marés, a melodia da chuva, o sopro do vento. Se não queria ir na vida triunfante como um automóvel último modelo, qual Campos, queria, tanto-tanto, poder saborear o mistério maior de todas as coisas. Esse mesmo. Apenas.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Nem em pesadelo...

Falar de Educação, ou em Educação, ou da Escola pública, parece-me,às vezes, um desperdício. Porque ninguém ouve, porque nada vai mudar, porque sinto que o meu pensar, e sentir, estão cada vez mais afastados da minha realidade profissional. Assim, tenho optado por me calar, por guardar para mim, e para os que me são mais próximos (pobre família)as minhas angústias e decepções.
No entanto, às vezes, a minha infelicidade profissional é tanta que não resisto a dar-lhe letra. Foi o que, hoje, me aconteceu.
Fui superiormente informada que vou ser vigiada, controlada e denunciada, pelos assistentes operacionais da minha Escola. Desta vigilância, policiamento, poderá resultar, após apresentação da denúncia ao Director, uma notificação - via mail (há que valorizar as TIC!) e, finalmente, uma punição sob a forma de falta injustificada.
Recebi esta informação, numa reunião de Departamento, entre incrédula e desesperada. Que sentido faz ter os assistentes operacionais (eram os antigos funcionários auxiliares de acção educativa) a fazerem serviço de delatores, de bufos, de espiões? E como se pode explicar, já nem falo em justificar..., a desconfiança dos meus superiores em relação ao meu desempenho? Fará sentido criar-se na Escola um clima pidesco de vigilância e denúncia? Será razoável notificarem-se professores se, por exemplo, deixarem alunos ir à casa de banho, ou comprar água?!!
Não percebo, não concordo.
Mas aceito. Porque não tenho outro remédio. Porque começo a compreender que sou paga para obedecer e não para pensar, nem para educar sequer.
Na minha Escola as portas das salas são de vidro, e os assistentes operacionais passeiam nos corredores com frequência. Agora, sempre que os vir passar, sentir-me-ei vigiada, espiada!! Estarão a ver se os alunos estão sentados? Se estão em pé? Se nos rimos? Se trabalhamos em grupo? Se eu sei o que estou a fazer?
Não era assim que eu sonhava a minha escola. Esta Escola, nem nos meus piores pesadelos a imaginei. Defendo uma Escola moderna, responsável, capaz de não se confinar ao espaço sala e aos manuais escolares. A Escola de hoje, defendo, deveria investir na autonomia, na diversidade de experiências,na liberdade do professor para inovar processos e desenvolver competências.
Se o clima de escola já estava ferido de morte com as leis absurdas da avaliação de docentes, agora vai deteriorar-se ainda mais.
Eu, professora por opção, preocupada em fazer sempre melhor, nunca virando costas a desafios e trabalho, tenho vontade de mudar de profissão. Talvez fazer uma formação nas novas oportunidades e, quem sabe?, tornar-me pastor. É que pelo menos o comportamento das ovelhas já vou adquirindo...

sábado, 6 de novembro de 2010

Castanhas

Está aí a Feira da Golegã. É uma Feira-Festa de tradição, camaradagem e, quero crer, autenticidade. Na Golegã passeiam os cavaleiros, desfilam os cavalos, encontram-se as amazonas a rigor, os chapéus de aba larga, os bigodes históricos e os muitos fumos cheirosos e quentes das obrigatórias castanhas. Na Golegã fazem-se, ou faziam-se?, negócios, e vivem-se, ou viviam-se?, momentos de divertida amizade.
A Feira do Cavalo não é uma feira qualquer e, passeando por lá, tentando escapar à lama, evitando, sorrindo, esbarrar com um cavalo, sente-se a existência de um Portugal que querem matar, diluir no todo Europeu que é nada. Ali, ser português não é ser triste e infeliz, não é imitar os outros (porventura menos miseráveis), não é repetir chavões ocos. Faz sentido, faz bem à existência da gente, ir à Feira da Golegã!